quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Viadagem Malemolente II

Senti certa necessidade em fazer uma segunda pedida dessa sessão de viadagem. Achei que o final da outra ficou um pouco rápido demais. Mas quem manda (pelo menos aqui) sou eu! Entendeu? Como afirmei anteriormente, o homossexualismo não é moda; está cravado nos anais da História da Humanidade.


Uma pessoa que está destinada a ser gay (o termo é unissex, tá, querido/a?! Ok. Sem viadagem!), não tem argumentos plausíveis pra explicar essa sua predisposição. É-se gay e pronto. Cientificamente, pode até ter a ver com o fluxo de testosterona que a mãe manda pro feto. Se a futura mamãe estiver estressada, por exemplo, as taxas de hormônios podem variar.


E é aí que a coisa fica feia. Qual o mal do século? O stress (ou, pra quem não sabe inglês, “estresse”). Calma, não se estresse! Então... Pare por um momento. Tente analisar a situação em que vivemos: o caos reina. A sociedade pós-moderna é a que menos tem tempo pras coisas fúteis, ironicamente. Ah, os finais de semana! Mas e durante a semana todinha? Poucos podem se entreter.


Não estou afirmando que o homossexualismo está a mil por causa disso. Absolutamente. Senão iria me contradizer. O que disse em minha outra crônica foi que, embora pareça, a pederastia não surgiu agora. Talvez tenha dado uma alavancada agora, até porque nos dias de hoje tudo é permitido, vale tudo, porém não como na música do Tim Maia.


Detalhista como sou, pude notar a curiosidade de algumas meninas a despeito de sua sexualidade. Tudo bem que se sintam à vontade de descobrirem outras nuances em termos de parceiros sexuais. Meninas beijando meninas; o sonho de todo garoto é presenciar uma cena dessas – e poder participar da brincadeira.


Não é de hoje que mulheres “se encaixam” e se completam umas nas outras. Há quem reverbere: “Eu gosto é de ostra!” – se é que o leitor me entende; é só lembrar do formato e como se degusta uma nobre ostra, encharcada de limão. Eu, como um bom amante de frutos do mar, também gosto. Mas o que vem ao caso, não por acaso, é essa moda (agora sim se trata de modismo) de bissexualismo ou homossexualismo forçado/forjado.


Com as quedas dos dinossauros Guns N’ Roses e Nirvana, dois marcos na era do chamado “bom e velho Rock n’ Roll”, e a ascensão na primeira década desse novo milênio do estilo Emocore, que alia franjas (lisas, por favor) nos olhos, músicas sem qualquer dificuldade técnica e letras sem muita análise psicológica sobre o que é o amor – já que quase 100% das composições tentam falar sobre o que é o amor e sobre suas frustrações. (Me parece que a moda bissexual aflorou aqui.)


Pois bem. O amor, sendo tachado de qualquer coisa em qualquer estrofe de forma qualquer, presume-se que quem escuta isso é um qualquer. Mas não. O fato é: qualquer um pode escutar esse tal de Emocore e, por conseguinte, “se libertar”. Não são todos os amantes desse tipo de música que são gays; não confunda! Quem já tem predisposição, simplesmente se revela. E com orgulho.


O que não deixa de ser algo bom. O orgulho em ser o que é. E o mais importante: no que sente. No entanto, prefiro pensar que o amor romântico – aquele dos grandes poetas mortos de tuberculose – foge a conceitos e versos pobres dessas músicas (com todo o respeito). Da mesma forma, me recuso a acreditar que esse sentimento, esse amor, tratado com tanta repetição e banalidade, seja puramente verdadeiro. Assim como o beijo trendy entre garotas.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O anjo

Ela era daquelas garotinhas meigas e cheias de rosa. Na bochecha, nas unhas, até no coração, se possível: quase tudo rosa. Cabelo pintado de um leve ruivo, puxando pro laranja mesmo. Estatura mediana, idade avançada – mas só a fisiológica. Tudo bem, ela era inteligente... Tinha seus quase 30 anos, mas era ingênua em certas coisas.

Casou com o homem dos sonhos. O sapo, o príncipe, o Brad Pitt. Ou, pra quem quiser, o Thiago Lacerda. Ou até... não, chega! O fato é que, como em todo casamento, a coisa foi ficando feia. Não falo no sentido literal, de que o marido foi ficando velho, feio e a pele murchando, pegando carona com a paciência. Não, não. No casamento, as coisas sempre pioram.

Há quem diga de boca cheia: “Ah, mas eu acho tão lindo aqueles velhinhos juntos até morrerem! Tá vendo aquele casal, amor? Olha! Ela não para de falar com ele”. E sempre há um gaiato que diz: “Aquela porra daquele velho deve ser surdo ou ter mal de Alzheimer!” – sempre às risadas também. Como os homens são insensíveis... Sempre fomos e sempre seremos. Pra que se exaltar por pouca coisa?

A questão é: as pessoas não param quietas. Sempre querem mais. Palavra! É incrível como a gente tem algo e julga querer outra melhor (mesmo ela não sendo, de fato). O grande filósofo do humor, Rafinha Bastos, disse outrora: “A gente nunca tá satisfeito. Quando estamos solteiros, queremos casar. Quando casamos... queremos morrer!”.

Engraçado mesmo (O último parágrafo foi realmente engraçado?!) é poder constatar que todo início de namoro é a mesma coisa. A mesminha. Não adianta mentir ou dizer: “Não, eu sou diferente dos outros caras”. Balela! Todo mundo – todo mundo – no começo de um relacionamento é um anjo. Não importa se caído do céu, se tem asas, se tem sexo.

Todos mostram seu melhor lado. Parece até comecinho de Big Brother... todo mundo é feliz e ama tudo. Daqui a pouco, a poeira debaixo do tapete começa a fazer espirrar quem tem alergia. E a gente tem alergia a quem não concorda com a gente. Não concorda? Rasgue a folha (pra assuar o nariz!).

Sim... vocês ficam me deixando falar sobre casamento e sobre ser o melhor para o parceiro, que acabei esquecendo a ruiva lá de cima. Namorou pouco e logo casou. Noivado é para os fracos. Contudo, no segundo mês de casamento, ela sentiu que precisava falar algo pro marido.

– Não me mate, por favor.
– Eu juro que enfio essa faca no seu peito! Quem é esse rapaz com cara de espanhol?
– É do meu trabalho! Não faça nada.
– Quem manda aqui sou eu. Você ouve. Copiou?

Ela já não aguentava mais. O que fez? Foi à polícia?! Foi pra casa da mãe.
– Mãe, ele tá me ameaçando por qualquer coisa. Deixa eu ficar aqui uns tempos, deixa... Ele pensa que tô dando corda pro Garcia. E acha que ele é espanhol...
– Ele não é espanhol?! – perguntou a mãe, esquecendo do que sua filha havia falado anteriormente.
– Claro que não! O pai dele que é.
– Ah, pensei que ele era, por causa daquele bigodinho... e daquele olhar também.
– É mesmo, mamãe. Tenho até medo dele.
– Medo?
– Sim, ele mexe comigo. Mas ainda bem que ele viajou a negócios pro exterior.
– Que negócios?
– Foi pro Paraguai.
– Contrabando!
– Não, mamãe. Ele tá lá cumprindo ordens da empresa. A gente precisa de um representante lá. Ele disse que me amava e que ia voltar pra me buscar.
– Como assim?! – perguntou a mãe, ruborizada.
– O que você acha? – redarguiu Penélope. (Esse era seu nome. Desculpe o atraso.)
– Você? Cadê o respeito?!
– Eu me exaltei; me perdoe, mamãe. É que eu e ele tivemos um affair antes dele viajar – explicou ela, corando.
– Entendo. E o que você vai fazer?
– Me separar!
– Por causa desse espanhol?!
– Ele não é espanhol! E não... não é por causa dele. É por causa do Sérgio. Ele era um doce no começo do namoro. Agora parece mais o Kadu Moliterno.
– Bata nele também! Você acha que seu pai era mansinho por quê?
– Ai, mãe e minhas unhas?

Penélope realmente não era de briga. Quem a via de longe, sabia que era tão indefesa quanto uma Coca-Cola na prateleira do supermercado. Separou. Ficou só. Se envolveu de novo, mas não com o “espanhol”. Arrumou um cara que ela encontrou no tal supermercado da tal Coca-Cola. Eles derrubaram de uns 8 a 10 litros de refrigerante no chão todo – refrigerantes fechados, é claro.

– Desculpa! Sou mesmo desastrada. Meu nome é Penélope.
– Que engraçado... – disse ele.
– O quê?! – perguntou ela, com a dúvida estampada nas sobrancelhas.
– Seu nome. Você aí vestida de rosa me fez lembrar a Penélope Charmosa da Corrida Maluca – disse ele, rindo e pegando as últimas garrafas pet de Coca.
– Eu amava esse desenho!
– Eu gostava mesmo era da Caverna do Dragão... você sabia que o final é uma loucura? É assim: o Mestre dos Magos era...

E continuaram nessa conversa. Dessa, surgiu um encontro. Do encontro, o clima. Do clima, o namoro. O resto, o leitor deve prever. Anos se passaram e o casamento ia bem. Ele mostrava ser quem sempre foi. Era atencioso – quando tinha ciúmes era porque realmente havia algo errado. E ele, Roger, estava com muito e há tempos.

– Que cara é essa, meu benzinho?
– Não sei. Vi seus SMS’s pro espanhol.
– Porra (raramente ela dizia um palavrão), meu ex era vidrado no Garcia e você me parece que tá indo no mesmo barco. Cuidado prele não furar e afundar...
– Isso é uma ameaça? Vá ficar com esse espanhol, vá... você não é carinhosa comigo como é com ele! Deve fazer sexo comigo pensando nele. Você não sabe nem fingir que não tá gostando... Acabou. Saia da minha casa!
– Vou. Não aguento mais tanta briga por causa do meu amigo. Acabou mesmo.

As lágrimas logo se tornaram um lago, quase que engolindo ela – meio Alice no País das Maravilhas. Ela sabia que Garcia tinha voltado ao Brasil e foi procurá-lo na mesma hora. Levou todo o aparato que precisaria. Quando chegou à pousada que ele estava, seu coração congelou e ela pôde sentir um frio latente na ossatura. “É agora ou nunca”, pensou ela. “É agora!”.

– Gracinha! Sou eu – disse ela, batendo na porta. Nota-se o anagrama de seu apelido.
– Já vai, Pê. Tô só de toalha!
– Abra logo – ordenou ela, com a imaginação fértil.
– Já vai... Oi, me dê um abraço daqueles. Que bom te ver. Entre!

Ela entraria correndo, dando um pulo em seu pescoço e beijando-o. Mas não foi isso que aconteceu. Penélope fez tudo isso e mais um pouco. Jogou-o na cama de casal, pegando suas mãos e o algemando nas extremidades de ferro da tal cama de casal da pousada. Não tinha teto espelhado, mas seria o motel improvisado deles. Ela pegou a mordaça, que estava na bolsa junto com a algema e o vibrador. Os olhos de Garcia saltaram quando viram o vibrador preto liso de 20 cm.

– Né pra você, não, bobinho! – riu ela, mentindo e percebendo o pavor em seus olhos, já que sua boca já estava com a mordaça.
– Na rnt nng trnrrrrs ratss!
– O quê?! Vou tirar... a mordaça – disse ela, soluçando de tanto rir.
– A gente nunca transou antes!
– Sim, eu sei.
– E você já vai assim...?
– Quero fazer o que nunca fiz com os outros.
– Espero que você já tenha depilado ou até queimado com vela um dos seus ex-namorados – suspirou Garcia, rindo.
– De fato, já – disse ela, séria, colocando a mordaça de novo nele. – Na verdade, vou lhe punir por me masturbar e pensar em você toda vez que transava com alguém... Cale a boca! Ninguém vai te ouvir com a mordaça aí. Eu te amo ou amava, não sei; mas só enquanto você estava longe – disse isso pegando uma faca de sua bolsa. (Curioso como em bolsa de mulher cabe tudo.) – Sei que se me casar com você, o encanto vai se exaurir. Então – concluiu ela, examinando o corpo nu de Garcia sob seu olhar meigo e, ao mesmo tempo, sórdido –, vou levar você comigo... Pra sempre!

E bem no momento reticente, antes do “Pra sempre!”, ela decepou o membro de Garcia. Ele chorava de dor e de vergonha ao ver que não havia mais nada lá. Seus gritos eram em vão. Ela o beijou na testa, dizendo um “eu te amo” sincero. Colocou o pênis de Garcia dentro de um papel alumínio que trazia consigo e murmurou: “Vamos com a mamãe, Gracinha!”, dando-lhe um beijinho na glande, ainda melada de sangue.

Ele olhava tudo, atônito, chorando de dor e quase desmaiando, sem forças. Ela pegou uma cola Super Bonder de dentro da bolsa, passou na extremidade do vibrador e colou no lugar onde o pênis já não mais estava. Enquanto ele gritava, dizendo palavrões incompreensíveis, ela saia assoviando qualquer coisa que não consegui identificar.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Viadagem Malemolente

É sabido que a viadagem (ou, para os conservadores, homossexualismo) está em alta em nossa sociedade pós-moderna. Engana-se quem acha que os homossexuais estão invadindo o mundo, como reverenciou o grande pensador Falcão: “Não precisa ser nenhum Nostradamus pra saber que, daqui a bem poucos anos, quem não for viado, não vai estar na moda”.

Sócrates, Nero, Alexandre, O Grande, Lord Byron, Elton John: eles sempre estiveram em todos os lugares e em todas as épocas. Antigamente, era normal ter relações sexuais com outra pessoa do mesmo sexo. Na Grécia, isso era até uma iniciação na “pedagogia sexual”, digamos.

No entanto, o que era normal, tornou-se pecaminoso. A ideologia judaico-cristã chegou como um dilúvio nas cidades de Sodoma e Gomorra e na ilha de Lesbos. Ser homossexual a partir daí seria pecado. E o livre-arbítrio? Que contradição, hein? Sem falar na discriminação que muitos sofrem ao ir mostrar que têm orgulho de serem o que são — o que mais se vê (fora Igrejas Evangélicas) são bares gays, passeatas gays, casamentos gays (nem tanto) e emos.

Os homossexuais intelectuais devem pensar: “Dane-se a grade (de orientação sexual) de Klein. Danem-se também os neurocientistas que acham que vão poder explicar um dia ‘o gosto pela mesma fruta’. Dane-se até a escala de Kinsey — um estudo que nem cita a transexualidade!”. Já o homossexual normal reverbera: “Sou são-paulino, sim. E daí?!”.

O mais ridículo é quando dois homens estão para entrar num motel 3 estrelas, num carro Eco Sport cinza, ouvindo P-P-P-P-P-Poker Face da Lady Gaga, e o porteiro, preconceituoso, diz:
— Dois homens juntos?! Aqui mesmo não entra! Ordens da direção.
O passivo olha pro ativo, impressionado/a. E dispara um muxuxo para o porteiro, seguido de uma ironia peculiar:
— Onde você está vendo homem aqui, meu bem?!
E o ativo simplesmente riu e entrou. O porteiro, por sua vez, ficou paralisado e pensou: “Esses pederastas...”.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Ensaio sobre a bebedeira

— Tira a vodca do freezer!

— Por quê?!

— Porque senão congela, pô.

— Álcool congelando? Tá doida?! Já vi que mulher não entende nada de bebida mesmo...


Bem, se esse rapaz tinha alguma pretensão de paquerar essa garota ao longo da noite, é bom ele desistir. No mais, ele falou com um sorrisinho irônico, franzindo o cenho. A moça, contrariada, levou na esportiva. Realmente é um pouco difícil congelar o álcool etílico, se é que vocês me entendem.


Na verdade, pra que isso aconteça, é necessária uma temperatura de -117,3 graus Celsius. Nenhuma geladeira ou freezer consegue essa façanha. É preciso mergulhá-lo no nitrogênio líquido a 192 graus negativos para congelá-lo de fato. Há um tipo de álcool que fica sólido na temperatura ambiente e é usado pelo Exército em certas atividades, mas isso não vem ao caso.


— Olhe, você deixe de preconceito, ok?

— Só falei brincando... você sabe. Vamos levar a bebida pra mesa logo!

— Certo. E a Sprite?

— Não. Traga a Fanta primeiro!


É sempre assim. A bebida é rodeada pela amizade. Ou será o contrário? O que é certo é o que a bebida faz conosco. Sim, eu sei. Essa frase ficou um tanto vaga. E é assim como ficamos ao ingerirmos qualquer bebida alcoólica; atônitos, sem saber o que é certo. E, às vezes, mesmo sabendo o que é errado, o fazemos. Esse é o nosso alterego — o nosso Mr. Hyde d’O Médico e o monstro de Stevenson.


É a mais pura verdade. Quando bebemos, mostramos o nosso lado B. O que somos não é o que mostramos à flor da pele. Guardamos segredos. Todos os têm. (Os homossexuais enrustidos sabem bem do que se trata.) Alguns guardam sua verdadeira identidade em seus guardarroupas do inconsciente, outros, ódio sem motivo aparente.


— Eh, chegou a birita! Traz essa vodca aqui, John.

— João, por que te chamam de John? — perguntou Alice, curiosa.

— Acho que porque gosto de rock internacional. Só frescura do Neto.

— Que nada, rapaz. É que ele é gay. Todos sabem — e todos riram, menos John, digo, João. — Eu quero ficar feliz! Eu quero é beber! Bote aqui uma dose...


É engraçado pensar assim. Todos nós pensamos que o álcool vai nos deixar mais alegres ou algo parecido. Não. Definitivamente. Se tomarmos pouco, até que faz um efeito animador. Mas é só umas doses a mais que nosso corpo já sente. Na verdade, o álcool inibe a corrente elétrica em células nervosas. E estimula a absorção de receptores pra neurotransmissores inibidores como o ácido gama-aminobutírico.


Ei, não precisa pôr no Wikipédia pra saber do que tô falando. Em português, isso quer dizer que o álcool é um inimigo do nosso bem-estar, bom-humor e coordenação. Quando a vodca que o Neto está bebendo, invadir sua corrente sanguínea (em cerca de uma hora), logo o álcool entrará no cérebro e atrapalhará as funções do cerebelo, por exemplo, que é responsável pelos músculos. Pronto, leitor, é por isso que você fica um pouco dormente, quando bebe um bocado.


— Vei, para de beber, Neto! Você vai acabar bêbado...

— John, porra! Minha namoooooooorada me traiu... há um mês

— disse ele com dificuldade; a língua um pouco pesada. — Vamos prum bar agora.

— Não, você não tá em condições!

— Tô nem aí. Queeeeer saber? Eu... vou só! — engolindo a saliva com vodca, exatamente nas reticências.


Pois bem. É aí que o papel da amizade mostra-se firme. Os amigos o acompanham pra mais essa jornada. Eles sabem que discutir com alguém bêbado é inútil — todo mundo sabe. O intrigante é saber que o álcool, de algum modo, nos inibe de qualquer vergonha. Paqueramos qualquer mulher. É como se fosse algo instintivo. Não importa se ela é feia ou a mais bonita do bar. Nossa natureza exige um parceiro reprodutor.


— Charles, vem cá! Oh, John chama esse garçom aí. Chama, viado!

— Calma. Que agonia, oxe! Ei, chefia...

— Pois não — disse o garçom, prontamente. — Ora, vejam só quem tá aqui: Netinho, meu chapa! Tudo bem? Aproveitando a noite livre da namorada pra tomar uma com os amigos, né?

— Tudo tranquilo! Melhor agora que tô sem patroa. Não faça essa cara. Acabei com Dayse. Num dava certo, não. Ela é paranoica. — E olhando pro cardápio, apontou num prato qualquer e olhou rapidamente para a mesa da frente. — Eu quero uma porção de galegas dessa! — reverberou ele, paquerando descaradamente. Todos riram, até o garçom Charles que disse “É pra já!”.


Intrigante (mesmo) como todo bêbado é entendedor de qualquer assunto. De futebol a música. De política a comportamento. De Timbalada a Sepultura... parece mais um taxista. Eis que surge um diálogo casual na mesa de bar:


— Quero que aquela safada morra! Eu não...

— Vamos mudar de assunto, né, Neto? Por favor. Você falou a noite toda dessa sua ex. Já sabemos que ela não presta — declarou Alice, interrompendo ele, que fez cara feia.

— Ei, não fale assim dela. Só eu quem posso!

— Tá bom! — disse João, rindo. — Vocês não acham uma safadeza esse novo acordo da língua portuguesa?


Mesmo bêbado, Neto afirmou:

— Pior pra Portugal. Lá é que vai mudar muuuuuuita coisa!

— Como você sabe?

— Eu andei lendo... além disso, o português de lá é muito feio. Tem que ficar mais sexy. Sei lá, acho que eu brocharia com uma portuguesa com aquele sotaque ridículo no meu ouvido.

— Ave Maria. Vocês, homens, só pensam nisso! E nem é feio o sotaque... — disse Alice, com ar de indiferença.

— Olhe o preconceito você agora! — declarou João. — Eu não penso só nisso... penso em mulher também.

— Ó, Alicinha! Eu não disse que ele era gay? Ele pensa em homem, quando se fala em sexo, mas em mulher também... só que em segundo caso! Vem cá, me dá um selinho — pediu Neto, fazendo cara de cachorro molhado bêbado.

— Oh, seu bosta, eu só falei aquilo pra parecer um pleonasmo! Você não sabe nada de português, né?

— Sei sim.

— Pois voltando ao assunto do português, acho que não vou me acostumar nem tão cedo com esses detalhes que mudaram.

— Eu também — disse João, com um meio riso. — Neto, bora ver se você se sai bem: agora, a palavra “autoestrada” tem hífen ou não? — perguntou, dando uma piscadinha para Alice.

— Rapaz, acho que não tem mais, não. Tiraram o hífen de quase tudo!

— Acertou! É impressão minha ou você quando misturou vodca com a cerveja aqui do bar ficou menos bêbado? — perguntou João, às risadas. — Isso é impossível...

— Porra, tô mijando de rir aqui — declarou Neto, irônico. — Na hora que eu fui no banheiro, pedi um cafezinho ao Charles. Ajuda muito nessas horas...

— Deixa eu te perguntar de novo. A palavra... Ei, Charles, me traz um caldinho de sururu, na moral! Cinco minutinhos, né? Beleza! Sim, é... sim, a palavra “enjoo” perde ou não o acento? Quero ver você acertar essa, sabe-tudo!


Neto não pensou duas vezes:

— Eu não sei. Afinal, não estou grávido!

Todos riram. Até as galegas da mesa ao lado que ouviram tudo “sem querer”.


Um salve aos chineses que “inventaram” a bebida alcoólica há 10 mil anos atrás! Algum amarelo daqueles descobriu que era possível reaproveitar as sementes das plantas. Resultado: drinques feitos de arroz, uvas, mel e cereja — tudo fermentado. O prazer por ingerir álcool vem desde os primatas, que comiam frutas fermentadas do chão. Nosso desejo pela bebida é intrínseco. Não vem exclusivamente de propagandas com mulheres com silhuetas sinuosas.


Se não fosse a bebida, não estaríamos onde nos encontramos. Ela ajudou a enfrentar epidemias, avançar pelo mundo afora e inventar tecnologias para o cotidiano. Parece tolice, mas ela quem fez existir as pirâmides do Egito, os EUA e até o feminismo. Mas o que mais nos comove é quando um amigo nosso chega e infere o clichê dos clichês:


— Você é como se fosse um irmão pra mim! — diz Neto, com o bafo de... tudo misturado e o braço a fazer um ângulo de 45º, cingindo o pescoço de João. E logo agarra Alice e proclama: — Quero ser o padrinho do filho de vocês. Sei que vocês se gostam... Eu gosto de criança, pô!


E amanhã é só mais uma ressaca...

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O celular

Amaury era um homem ciente de suas responsabilidades em casa: trabalhava pra sustentar a família e ainda sabia um pouco de eletrônica — quando algum aparelho quebrava, lá estava ele.

— Querida, não ligue mais o liquidificador no estabilizador do PC. Por isso que não pega! A voltagem é diferente. Os ampères são...
— Tá bom, tá bom! Já entendi — respondeu ela com ar de inútil.

Ele era um homem muito ocupado. Era corretor de imóveis. Ela, dona-de-casa-que-não-perde-um-dia-sequer-o-programa-da-Ana-Maria-Braga. Dona Marta era uma dona bem conservada, diga-se de passagem. Fazia de tudo pra agradar seu homem. Isso era fato, porque a barriga de Amaury aumentava como se ele bebesse todo final de semana. E ele bebia. Ou seja, não eram somente as receitas novas de dona Marta as responsáveis.

— Querida, vou à casa de um amigo acertar uns contratos. Volto... logo! — disse ele, beijando-a na testa, logo ali nas reticências.
— Tá bom! — respondeu ela, enxugando o liquidificador.

Dona Marta percebeu que faltava tomate pra salada. Foi até seu celular e ligou para o marido. “Ele nunca compra tomate suficiente. Vou mandar ele deixar fiado no mercadinho mesmo. Não posso sair do fogão”, pensou ela ao digitar em seu aparelho móvel que tinha até TV embutida — necessidade não havia, afinal, ela passava o dia todo em casa.

O marido logo voltou pra casa. Sem o celular, inclusive.
— Amaury, onde tá seu celular? Liguei, liguei, liguei e nada...
— Eu devo ter deixado aqui em casa. Vou procurar... — disse ele com um tom preocupado. Ele olhou nas gavetas da cômoda, nos bolsos dos paletós, debaixo das almofadas de espuma D28, revestidas de fibra de silicone e estrutura de madeira com percinta traçada do sofá marrom de revestimento chenille e... nada. Só uma moeda de 25 centavos. Da antiga.

Dava pra notar o desespero se formando em seu rosto. Não havia creme da Avon que maquiasse a sua cara de transtorno. Ele decidiu se abrir com a mulher:
— Martinha, juro que não levei o celular. Vou ver se deixei na casa do Alberto de qualquer forma. — E saiu de carro às pressas, mas não para a casa do tal Alberto, onde ele fingira que ter estado naquela manhã de sexta-feira. Aquele era o caminho para Ellen. Chegando à casa de sua amante, ele foi logo preciso.

— Meu bem, você por acaso viu meu celular? Acho que, tirando a roupa naquela agonia, ele acabou caindo pelo chão — declarou ele, abaixando-se para ver por debaixo da cama. — Você não atendeu ele, né?
— Claro que não, meu bebê. Você tem certeza que veio com celular pra cá?
— Claro que não. É só um palpite. Ora, pra onde mais eu levaria o bendito?!
— Vamos ligar pra ele então — disse Ellen, sempre prestativa. E como. — Ó, tá chamando... vê se você escuta a musiquinha!
— Não, meu amor. Eu deixei no modo silencioso. Disso eu me lembro.
— Vê se tá vibrando em alg... Oi, alô! Sim, é... (Pequena pausa para reflexão.) Tudo bom?! Aqui quem fala é... Joana Linhares. Queria saber se seu marido está disponível no momento... (Nessa hora, ela deu uma piscadinha sarcástica para Amaury.) Sei, então quando ele chegar, peça prele ligar presse mesmo número, ok? É a respeito do preço de uma... Isso mesmo! Então até mais, senhora... (E virando-se para ele:) Oh, voz chata essa da tua mulher, Amaury!
— Por isso que venho aqui todos os dias escutar sua voz, meu anjo! — E se despediu, dando um beijo de cinema em Ellen. Daqueles com direito à mão boba e tudo. “Porra, deixei em casa a porra do celular!”, pensou ele, bem tranquilamente no caminho de volta. Finalmente em casa, ele disse:
— Mas é claro! Como não procurei o celular do lado do estabilizador do computador? Por isso que vivo todos os dias da minha vida dependendo de você, meu... anjo! — reverberou ele, suando frio, e com aquele mesmo esquema do beijo na testa exatamente nas reticências.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Refrescante

— Eu sou virgem. É sério!

— Tá bom. E eu sou de Libra.

— Deixe de ser besta — disse ela, às risadas. — Você sabe muito bem que eu tou me guardando pro homem certo.

— E quem é esse sortudo? — perguntou ele, comendo Amanda com os olhos e a boca.

— Não sei ainda. Tou procurando um que valha a pena.

— Tou me sentindo um nada aqui. O Janu aqui vale a pena, sim!

— Ué, mas... não era minha intenção. Não sinto nada por você...

— Não sente ainda! Quando eu estiver fazendo cócegas nos seus estômago e rins, você vai mudar de ideia.

— Ai, eu tenho medo!

— Que nada. Vamos lá pra casa. No caminho, eu compro camisinha de menta e uma vodca na conveniência.

— Vem cá... Por que de menta?

— Não sei. É sua primeira vez... quero que seja, literalmente, gostoso.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O chip

Zeca, como era chamado por todos, gostava de brincar de boneca. A Barbie era sua predileta. Adorava fazer cenas calientes entre o Max Steel e ela. Quando cresceu, não era de se duvidar: virou um pegador. Qualquer garota que ele quisesse, conseguia. Seus amigos ficavam estupefatos e de queixo beirando o chão.


— Quando eu nascer de novo, quero ser pelo menos um terço do que você é — declarou Pedro, trocando o chip do celular de Zeca. Ao realizar a tarefa, ele falava com Zeca e, sem querer, deixou cair o chip azulzinho.

— Que nada, meu irmão. Eu sou normal. Eu só não dou bola pra todas. É essa a graça!

— Então o truque é rejeitar as gurias?

— Rejeitar é uma palavra forte. Eu diria “não dar corda”, entende?


Pedro ficou encucado. “Não é tão simples assim”, pensou ele. Ele era mais romântico e não entendia muito dos trejeitos do amor. Havia sido corneado umas quatro vezes — até onde ele sabia. Não tinha lógica alguma em amar outra pessoa. “Ninguém consegue ser monogâmico mesmo”, consolou Zeca, quando Pedro soube de sua última desventura. O outro logo tirou Pedro de seus devaneios:


— Rapaz, tenho um monte de telefone de meninas aqui no meu celular... Epa, mas não é nesse chip. Pedro, cadê meu chip?

— Caralho, acho que derrubei por aí — disse ele com ar de pesar. — Mas não se preocupe! Eu te dou outro.

— Você não compreende, vei. Aquele chip era o que eu representava pra você. Eu tinha todos os meus contatos ali!

— Use o Orkut ou o MSN, ora. Me desculpe!


Não adiantava. Zeca ficou duas semanas sem brincar de tiroliro na chulapa. (Se é que o leitor me entende...) Ele tinha o contato das meninas por outros meios. Porém seu celular, ou melhor, seu chip era tudo. Não adiantava. Era um novo tipo de síndrome do pânico. Pedro já tava pensando em fazer psicoterapia com ele. A cada dia que se passava, os ataques de pânico eram esporádicos, cada vez mais intensos e recorrentes.


O motivo? Qualquer mulher que passasse na rua — olhe você que ironia infame —, que olhasse pra ele, que tocasse nele... Zeca simplesmente sentia o perigo iminente cada vez que cruzava o olhar em alguma filha de Eva. Dessa forma, ficou trancado dentro de casa, durante os próximos anos de sua vida. Não havia analista que desse jeito.


De oitiva, alguns arriscavam que ele morrera ao lado do chip novo que Pedro outrora teria lhe devolvido; outros diziam que voltou a brincar de boneca Barbie. (Mas dessa vez sem o Max Steel.) E envelheceu como um vinho que não conseguiu fermentar. Morreu solteiro. No funeral, Pedro chorava muito ao colocar o chip azul no peito sem ar do velho amigo ex-garanhão. Em redor, todas as mulheres que um dia foram dele.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Três vodcas

— Mas eu tava bêbado!
— Isso não é desculpa, Bento!
— Eu não tenho culpa...
— Claro que tem. Você bebe e usa isso como desculpa pra me trair!
— Mas eu lhe digo. Pior se eu nem falasse dos meus erros... Me desculpe!
— Agora todo mundo da nossa cidade já sabe. Vão falar na rua: “Lá vai a chifruda!” — lamentou ela, cabisbaixa, com um mar de lágrimas nos olhos.
— Mas... mas eu lhe disse.
— E daí? Você tá comigo! Devia ficar só comigo. Essa é a terceira vez que você faz isso. Não faça isso de novo, viu? Não vou aguentar... Eu me mato!

Bento viu que sua Clara falava sério. “O que fazer?”, pensou ele. “Vou parar de beber. É o jeito. Não quero que ela se mate por minha causa”. E ficou dois meses sob a tentação da loura gelada. Em cima da mesa de bar, piscando pra ele. Contudo, ele resistia com veemência. Seus amigos brincavam com ele:

— O que é isso, Bento? Vai ficar só no suco de acerola? — disse um dos quatro melhores amigos. Todos riram. E riram. Lá pela metade do segundo mês de jejum etílico, ele não aguentou mais. Não podemos julgá-lo, até porque a situação era bem peculiar. Ele tinha de beber.

— Clara, os caras vão fazer uma festa na casa do Tiaguinho. Vambora?
— Ah, bem. Já tinha prometido as meninas que eu ia pra praça botar o papo em dia...
— Então tá ok. Você quem sabe... — disse ele, aparentando estar indiferente. Ele sabia que não. Ao contrário do que se pensava dele, gostava de estar sempre com sua namorada, claro, por que não? A festa estava nos conformes: cerveja, erva, vodca (de R$ 4,00) e alguns refrigerantes de frutas (leia-se corantes).

O que interessava a Bento era só a Sprite. Só que ele resolveu misturar com um pouquinho de vodca. E mais um pouco. No potente micro system Sony MHC - GT444 400 w RMS de Tiaguinho — sem agá mesmo — começou uma música que Bento gostava: Here I go again do Whitesnake. Pronto. Dose dupla de vodca. Pura. Desceu rasgando a faringe dele. Logo ele costurou com meio copo de Sprite gelada. Pronto.

Bento se sentia bem melhor. Quase três meses sem sentir o álcool correndo em suas veias. Era uma sensação única. Foi nesta hora que ele percebeu: “Estou me tornando um alcoólatra!”. Seus amigos diziam pra ele ir com calma; ele revidava com mais doses viradas. E de novo e de novo.

Enfim, as garotas chegaram à festa. Começaram a se enturmar com os meninos até então desconhecidos. “Opa, eu sou a Carla. Prazer!”, disse ela. “Bento!”, murmurou ele, apertando a mão dela com força. Ela sentiu segurança nele desde que pôs os pés na casa. Mas Bento ia estragar tudo. Ele bebia como se a vodca fosse fugir dele. Um copo atrás do outro. Eis que então ele olha pro copo, meio atordoado, e propõe um jogo a Carla.

— Eu estou quaaaaase bêbado. Olhe, bem! Quero lhe propor um jogo: eu bebo e você bebe. Quando você não aguentar mais, nós vamos ali pro quarto... O que me diz?
— Você me respeite, seu sacana! Não sou dessas, não — disse ela, franzindo o cenho.
— Então, vá tomar no cu! — reverberou Bento, claramente sob o efeito da vodca.

Ela se levantou com rispidez. E ia em direção da porta para ir embora, quando ouviu uma voz melosa por trás: “Não vá! Me desculpe!”. Era Bento, tentando se redimir por sua grosseria. Abrindo a porta e sem se virar, Carla declarou com lágrimas nos olhos: “Você não consegue me magoar...”. E bateu a porta.

— Abra as pernas pra você ver se eu não lhe magoo! — gritou ele, com ar risível. Todos riram. E riram. Menos as outras garotas, que foram imediatamente atrás de Carla, consolá-la à toa. “Não ligue! Ele é um grosso!”, diziam. “Um filho da puta machista!”. A cólera estava em seus olhos. Dava pra ver de longe. Ela decidiu voltar lá.

— Eu já sabia quem era você! Já transei várias vezes com sua namorada, Clara. E agora sei por que ela fugia de você e procurava consolo em mim... Você é um perfeito idiota! Ela não te contou?! — disse ela, sarcástica. Sabia que ele dizia a Clara quando a traia.

Bento ficou paralisado, coadunando as peças em sua cabeça que ousavam se embaralhar cada vez que ele olhava para o rosto furioso de Carla. Ela saiu da sala. Ninguém disse uma palavra sequer. No dia seguinte, comprou um buquê de flores para Clara, pois sabia que ela amava. Foi a pé até sua casa. Uma caminhada de meia hora no sol.

Chegando lá, tocou na campainha. Deixou as rosas vermelhas no chão e foi embora. Clara ficou surpresa com o buquê solitário em sua porta. Havia um bilhete. Ele dizia claramente: “Vou morrer de cirrose! Guarde o bilhete pra ler depois. Nosso namoro? C’est fini! Mande um beijo e uma flor pra Carla. Att, Bento”.

Ela chorou demasiado, mas não ligou muito para a primeira frase do bilhete. Tentou ligar. Foi casa de Bento. Nada. Ele havia sumido. Os familiares também estavam preocupados. Duas semanas depois, um cão farejador encontra o corpo de Bento dentro de um túnel/cano de esgoto. O cheiro era insuportável — não do esgoto, mas de Bento, que jazia ali há pelo menos quatro dias. A seu lado, três garrafas de vodca; sem Sprite.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Munique

Era lourinha, tipo ariana. (Não me refiro a horóscopos, até porque ela era libriana.) De fato, ela tinha ascendência alemã. Sua pele de seda e seus olhos azuis não negavam. Munique Müller, contudo, era uma brasileira nata. E orgulhosa por isso. “Vamos, Ronaldo! Vamos, Ronaldo”, soluçava ela nos jogos da seleção nas Copas passadas. E como todo brasileiro gostava de samba e, principalmente, de raves.

— Isso aqui é muito bom! — exclamou ela numa rave qualquer.
— Também acho! Esse lugar é demais! Olha só quanto homem bonito! — disse uma de suas amigas, empolgada.
— Me refiro à minha bebida...

Não que ela não se interessasse por homens; tivera recentemente uma desilusão amorosa daquelas de pegar o namorado com outra. Na cama! Mas só cobertos com os lençóis... Nada demais.

— Não é nada disso que você tá pensando, meu bem! — disse ele, a frase que condena.
— Não precisa se explicar. Eu vi, meu bem! — respondeu, sarcástica, fechando a porta.

Desde então, Munique estava só. Refletindo. Se perguntando: “O que há de errado com os homens?”. (Mal ela sabia que os homens faziam esse questionamento todos os dias: "O que há de errado com elas?") Naquela rave, algo auspicioso aconteceria.

— Oi, posso te pagar um drink?
— Oi, por que não? — disse ela, atônita.

Conversa vai, conversa vem: se beijaram. Diga-se de passagem, ao som de Poker face da Lady Gaga. Suas três amigas ficaram estarrecidas; imóveis. Pra facilitar a compreensão da cena, de boca aberta, entreolhando-se. Elas não conheciam esse lado arguto e audacioso de Munique. Daí a pouco:
— Meninas, quero apresentar a vocês Marília.

Todas disseram “ois” falsos e cuidadosos. Uma de suas amigas, Amanda, a pegou pelo braço, sutilmente, e foram para um cantinho.

— Você tá louca, Mu?! Você virou homo? Francamente...
— Quer entrar na fila? — brincou.
— Deus me livre e guarde! Eu gosto é de homem, minha filha! E eu pensava que você também gostava de “pirulito”...
— E eu gosto. Muito! — respondeu Munique, às risadas. — Ela é diferente. Tem um quê... um quê maiúsculo!
— O quê? Que quê? O que ela tem de tão especial? E os homens, Mu? E eles? Desistiu?
— Há tempos. Não quero papo com homem nunca mais. Nunca mais!

Depois daquele dia, Munique e Marília assumiram o namoro. Assim, rápido mesmo. Amor à primeira bebida. E os comentários deletérios corriam os becos da cidade. Mas a senhorita Müller não se importava, afinal, ela estava com o transexual mais doce, lindo e peitudo de sua cidade. E ninguém saberia desse pequeno detalhe.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Retarda...do

— Ei, velho, onde você tá?
— Tou viajando — disse Alberto ao celular.
— Merda!
— Por quê?!
— É que vou trazer uma boyzinha aqui pra casa, pô.
— Ué! Você queria que eu participasse da brincadeira? — disse Aberto, rindo.
— Nem pensar. Uma morena dessas não se divide. Não é pro seu bico — ironizou Bruno, rindo ainda mais.
— Quer dizer que você liga pra mim só pra me ridicularizar, é?
— De forma alguma, parceiro. É que eu tava precisando de dinheiro pra bancar a noite, entende? Ia lhe pedir emprestado.
— Entendo. Pra que ir pra motel? Esse perto da tua casa é 40 reais/duas horas. Sua cama é de graça. É só comprar um vinho geladinho e...
— É claro que vai ser na minha casa. Mas eu menti aqui pra ela: disse que tava com 5 cervejas de lata aqui. Precisava só do dinheiro pra camisinha!
— E quanto você tem aí?
— 10 reais cravados.
— Nenhuma moeda escondida nos bolsos?
— Já revirei meu carro e tudo. É nessas horas que a gente se arrepende de dar trocado praqueles meninos de rua que fingem vigiar o nosso carro... — lamentou Bruno.
— Então finja que bebeu uma cerveja indo pra casa dela. Daí, você compra só quatro brejas e compra da camisinha retardante!
— Como é, rapaz?
— É uma laranjinha da Eros, pô! Você ganha mais tempo na atividade... riu ele.
— Pode crer. Vou fazer isso mesmo! Valeu, velho.
[...]
— E como foi lá?
— Ah, comprei só uma cerveja mesmo. Ela tinha uma vodca lá. Fizemos umas 10 páginas do Kama Sutra! — riu Bruno, enquanto a cabeça explodia por conta da ressaca.
— Imagino como estão suas costas...
— O pior não é isso: não comprei camisinha!

Amsterdã

Sim, ela era realmente muito traquina; danada mesmo. Matava insetos só pra ver a agonia da morte. Roubava maçãs na feira. E sua mãe notava cada passo em falso seu. Seria mau agouro roubar justamente maçãs, a fruta do pecado original? Se fosse pelo menos pirata...

Contudo, a questão era a índole da garota que não condizia com o ambiente em que vivia. A paz pairava — dava pra sentir na pele sem se queimar. Num desses dias turbulentos de brincadeiras, a menina acabou por bater no moleque mais metido e mandão da rua. Sua mãe achou bonito, porque achava que o garoto merecia, de fato, uma sova. Foi por conta desse tipo de pensamento que a mãe perdeu a filha.

Viviana estava se tornado uma menina fútil. Qualquer marmanjo tinha relações sexuais com ela. (E ela só tinha 13 anos!) As peripécias eram as mesmas das garotas de sua idade. Mas as amigas ainda brincavam de boneca Suzy. Vivi, como era chamada por todos, um dia tirou sua mãe do sério ao chamar sua avó de “velha preconceituosa” com toda a cólera possível. Isso porque seu ficante era negro.

Guilhermina, a mãe, disse:
— Tomara que um turista branquelo desses leve você daqui! Você não para quieta. Sempre tá implicando!

Dois anos depois, Vivi estava na Holanda na crista da onda de sua vitalidade. Mandava cartões postais de Amsterdã pra mãe, mentindo sobre sua vida atual. Estava se prostituindo pra sobreviver, enganada por um turista que ela conheceu numa rave no Rio de Janeiro, chamado Jacob Van-alguma-coisa. Ela morreu de overdose de cocaína. Ao pó voltou, literalmente.

Faça-se a luz...

Em frente ao computador, dois amigos conversam tranquilamente e entram sem querer num desses conglomerados de notícias fúteis sobre famosos:
— Porra, como alguém consegue ficar com uma mulher dessas? (Por acaso, a tal mulher estava sem maquiagem.)
— Madonna é Madonna, né?
— Que nada. O cara acordar todo dia olhando pra isso deve ser, no mínimo, desagradável. E o bafo ao acordar? Nossa! E veja só: olha os braços dela! Mais forte que eu... Eu não iria nunca pra cama com uma mulher assim — disse ele, revoltado.
— Ah, mas no escurinho tudo se resolve — amainou o outro.
— Mas ela não faz no escuro, não, pô!
— E como você sabe disso?
— Ela não namora o Jesus Luz?!

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Não basta entender

Não basta ouvir o canto dos pássaros;
é preciso entender a letra.
Já o amor não precisa ser entendido,
tampouco citado ou ouvido
nem explicado nem mesmo sentido;
é pra ser vivido sem ser questionado.

De carne e osso

Não quero ser um mero imortal.
Quero ser um errante de carne e osso.
Quero errar mais e mais.
E ser o mais infantil e inocente que eu puder.

Quero a verdade e somente ela.
Não procuro pela verdade de todos.
Nem a venero ou a acho sagrada.
Quero encontrar a minha própria verdade.

O grande filósofo já dizia:
Torna-te quem tu és.
Mas como descobrir quem ou o que sou
Sem a minha verdade?

Sem querer ser um profeta impopular,
A verdade é que a morte chega pra todos.
Do rei ao mendigo.
É inexorável!

Medo. O desejo de nunca morrer...
Um desejo de mamar
No eterno seio intumescido
Do que chamamos de Deus.

A minha verdade é que depois de morto,
A minha recompensa é nunca mais morrer.

Você

Quero sombra e água fresca
Um belo mármore no meu epitáfio
Deixe de coisa!, pra que tanta peleja?
Sou imortal e este é meu fadário

Eu posso viver e nunca morrer
Sem fazer livros ou plantar
Sem fazer filhos ou amar
Doar meu amor, só se for a você

Você
Minha fonte da juventude
Ma mort avec élégance
Minha imortalidade amiúde
Meu último romance...

Você!

Idiossincrasias

A multidão solitária
Eu e você
O inverso do verso
O exceto do excesso

O senso comum
Todo o resto
A morte na sorte
O torpor torpe.

Fim dos tempos

Não, nós dois não somos um.
Somos dois... só nós dois.
Números primos
Irmãos de sangue
Amantes de corpo e alma lavada

Só de pensar que o amor eterno
Não dura no fim dos tempos
Me falta ar
Comprimido ou em gotas

O mundo vai acabar
Meu amor, por favor,
Fique aqui comigo.
Se nosso fogo se acabar,
deixo claro nessas linhas
tortas e doces,
é porque morreremos juntos,
não porque deixei de te amar

Mas não chore agora.
Esses ramalhetes de fogo
não são o apocalipse.
É o sol que já vem vindo
E é hora de dormimos
Amanhã será outro dia.
Ou a nostalgia de ontem e outrem.

Eu e você, você e eu
Somos o futuro certo
O medo imoral
O colar de pérolas vil
O amor no fim dos tempos

1ª pessoa do singular

Entre o mundo e eu, só signos.
Tudo é representação.
E a verdade é aquilo que quero ver.
A mentira, ilusão.

Voilà.

Balada do bêbado

Vejo um grand finale pra nós dois
Bebo um drink, deixo o resto pra depois
Vejo um rosto no fundo do copo
O meu xeque-mate é o ópio

Vejo meu autorretrato na mesa do bar
Bebo uma dose, cicuta ou cachaça
Vejo o início do resto da minha vida
Você! Minh'última ressaca

Essa é a última das saideiras
É o fim da linha pra mim
Se um dia eu vier a morrer sem ti,
Que seja só de rir.

Tempo

Leminski pensou:
Que podia um velho fazer
Nos idos de 1916
A não ser pegar pneumonia
Deixar tudo pros flhos
E virar fotografia?

Demos tempo ao tempo
A melhor idade hoje sabe o que fazer
Ah, o viagra e seu intento
A cadência do samba faz-se ver

O poeta falou:
Um relógio parado
Certamente é baldado.
Mas quem diria?
Ele marca a hora certa
Duas vezes ao dia

Ah, é... Tudo é relativo
A nostalgia dos amanhãs
O status quo atípico
E o agridoce das maçãs

Tète-a-tète
O tempo murmura em meus ouvidos
Como um alaúde
O presságio do meu ontem

A máquina do tempo
E seu alarido do futuro
Me lembram que o sol já vai nascer
E a morte logo vem.

Amor?

Pra que pensar demais, se os gregos já o fizeram?
Não há nada de errado com o amor.
O que falta a cada um que não sabe amar é comprometimento.
Essa é a máxima.

Como ir pro céu

Um rapaz abastado se aproxima de outro da classe C. Sem mais delongas, o primeiro começou:
— Meu caro, como você tá?
— Diga aí, Paulique! — exclamou o outro.
— Jorge, bicho... eu não gosto desse apelido. Meu nome é Paulo Henrique e ponto.
— Ponto continuativo! Depois que você arrancou Jennifer de mim, você perdeu toda a sua moral! — glosou ele.
— Que nada, meu irmão. Nossa amizade transcende esse nosso sentimento mútuo por ela — retorquiu Paulique.

Ou melhor, Paulo Henrique... Continuando o papo cabeça:
— Eu tava brincando, Paulique. Eu tava querendo me desfazer dela mesmo. Quero algo melhor; só não sei se consigo — divagou o jovem.
— Me sinto bem sabendo disso tudo. Mas Jennifer não é uma qualquer: vibra em cada toque, faz poesia sem dizer um “a”, soa como gente grande...
— Foi bom pra você?! — brincou Jorge.
— Claro. Tê-la comprado de você foi a melhor coisa que fiz esse ano!
— Pois é. Não há mais guitarras velhas como essas da Jennifer — explicou Jorge, bem jocoso.
— Quando eu comprar uma Ibanez, vou te devolver essa outra sem cobrar; e com prazer!
E assim, eles morreram solteiros e semi-surdos.

Elas só pensam naquilo

Elizabeth (ou Beth) inicia a conversa com seu namorado, Bento (ou Tinho), atropelando as locuções.

—Tinho, me desculpe. Desde já, me perdoe! Diga que sim... — disse Beth, com despeito.
— OK, mas não me deixe apreensivo — respondeu ele, meio confuso.
— Perdi o anel que você me deu, Tinho! Eu perdi. Perdi!!! Não valho nada mesmo... — choramingou ela.
— Oh, meu anjo. Como você é fofa. Não se preocupe como isso, não... Você dormiu bem? — desconversou Bento.

Elizabeth não pensou duas vezes e foi logo dizendo, toda pomposa:
— Ah, meu amor, sonhei contigo!
— Puxa, me conta...
— Bem, assim... lá, a gente... (fez o gesto de “sexo” com a mão direita) só que o sonho já começava com a gente na cama, conversando — disse Beth, atônita.
— Ah... — murmurou Bento, desalentado.
— E eu pedia pra que você não contasse a ninguém!
— Contasse o quê? Que você fumou depois de ter transado comigo? — brincou ele.
— Ei, como você sabe disso?! — perguntou Beth, surpresa.
— Eu simplesmente sei — disse ele, suspirando. E completou: — Eu queria ter sonhado com isso... mas comigo ia ser diferente! Ia ter o que faltou! — exclamou Bento, com um trejeito peculiar.
— Mas que safado você, Tinho! — replicou a pobre virgem. — Tenho muita vergonha e assim você só piora...

Bento era um rapaz sagaz. Tinha lido em algum canto que o sonho era a fresta do espírito. Talvez em Freud ou Machado de Assis; o desejo dela mostrou-se em seus sonhos mais íntimos e libidinosos. E ele acrescentou:
— Você estaria com o anel, ora — amainando assim a sua bela fera.

Idílio

A feição única
Cabelo fulvo
Amarelo-manga
Afeição única.

Virtuose

O virtuoso busca a tríade etérea: a felicidade, a verdade e o belo. O homem comum, o céu. E qual a garantia que este último tem de que há algo de fato na abóbada celeste? Talvez a certeza de que não há nada no aquém que o fascine...

O virtuoso apenas tem a certeza de que esta tal tríade é a reminiscência do inalcançável. Mas ele segue procurando e há de achá-la um dia...

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Namoro pós-moderno

É, não estava mais dando certo. As desculpas não mais serviam. As brigas tornavam-se constantes. É sabido que duas pessoas parecidas demais ou diferentes geralmente não levam um relacionamento adiante. Às vezes, o ego de algum dos dois fala mais alto, por vezes gritante.

O ego da garota era, de fato, gritante. Era do tipo mimada: queria, porque queria. E isso já era suficiente pra ela e ponto. Já ele era compassivo, paciente e fazia o que deixava os outros felizes. (Segundo ele, isso o ajudava a crescer internamente.) Vê-la feliz era a sua felicidade. Mas os tempos estavam mudados. A rotina acabou transformando enfadonha a relação do casal. Não existia mais fogo. Só o soltar de faíscas nas discussões.

— Para de fumar, Nívea, por favor.
— Não vou me viciar, amor. Não se preocupe!
— A questão não é somente essa. Eu não quero que você fume. Não me sinto à vontade com esse fato.
— Não posso fazer nada, Vitor...

E não podia mesmo. Era a vontade dela. Por mais que Vitor quisesse, nunca iria domá-la. Não “domá-la” no sentido literal; machista. Mas sim fazer valer sua opinião sobre as coisas. Em um romance, isso é fundamental. Claro que as brigas são um mal necessário. São saudáveis, na medida certa. Porém, tudo tem um limite e não há discussão de relação que tire a mácula de uma traição.

Vitor soube através de amigos que sua namorada havia ido para uma festa particular sem lhe avisar. Lá, ela bebera demasiadamente e teria supostamente participado de um beijo em um garoto mais velho e uma garota, ao mesmo tempo: um ménage a trois com gostinho de Montilla. Vitor não se abateu. Mostrava-se forte — pelo menos, por fora. No escuro, chorava escondido, ouvindo a música que embalou o romance dos dois.

Nívia , por sua vez, estava tranquila até sua amiga (a que ela beijara outrora) lhe contou que seu namorado já sabia de tudo. É, a casa caiu. Com garagem, quintal e tudo mais. Ela já desconfiava que seu namoro ruiria, por mais que Vitor fosse compreensivo. Ele simplesmente não merecia aquilo; e ela sabia disso!

Tudo se confirmou quando ela recebeu um SMS, solicitando sua presença na praça central da cidade. Dizia:

Qro falar com vc.
Preciso ti perguntar 1
coisa importante!!!!!
15hrs na praça, viu?!!!! Bjo


No caminho pra lá, ela ruborizava-se com seus devaneios. Tinha vergonha do que tinha feito. No momento, foi tudo muito bom. Imaginava as palavras que Vitor ia proferir. “Ele deve tá ‘p’ da vida!”, pensou ela. Ao chegar no destino, avistou seu futuro ex, cabisbaixo. Ele foi bem direto:

— Quem vai ficar com a senha do nosso Orkut duplo?!

sábado, 5 de setembro de 2009

Nada

Ah, tem poeira debaixo desse tapete. O filho estava agindo de modo diferente havia dias. Sua mãe, Carla, já notara isso em seu filho adolescente. Ela há pouco tempo tinha visto uma reportagem na TV (ela não lembrava o canal), onde psicólogos afirmavam que a mudança brusca de comportamento era sinal de que o indivíduo estava se drogando.

Claro que os psicólogos colocaram várias questões a seguir. Citaram casos e como identificar se seu filho está enquadrado nessas circunstâncias. Mas a mãe, agoniada, não pensou duas vezes e foi falar com o marido. Estes estão com o casamento um pouco desgastado, porque ele, que trabalha os três horários, não está dando conta do recado. (Se é que o leitor me entende...) Depois da primeira, ele tentava passar pra segunda, mas embreava errado e acabava dormindo, cheio de angústia.

— Naldo, teu filho tá muito estranho ultimamente.
— Você acha?
— Você não notou?! Impossível...
— Sinceramente não. Passo muito pouco tempo com ele por causa da rotina. Você sabe disso, né, amorzinho?
— É, desculpa. Mas acho que você deveria conversar com ele. Não tenho muito jeito com esses assuntos sérios — disse ela, cabisbaixa.
— Como assim?
— Eu acho que ele tá usando maconha. Ele tá muito esquisito de umas semanas pra cá. Converse direitinho com ele.
— Ah, vou tirar o vídeo game dele!

E Arnaldo foi atrás de seu filho no quarto no mesmo instante. Ao entrar, percebeu que seu filho, num ato fugaz, escondeu algo dentro da mochila. “Epa, epa, epa!”, pensou o pai. “Tem poeira debaixo desse tapete...”. O filho, sem reação, pediu para o pai se sentar e disse que tinha algo que vinha lhe intrigando. Precisava falar naquele exato momento.

— É... pai, eu queria falar com você.
— Veja bem, meu filho. Não vou passar a mão na sua cabeça. Ela vai direto na sua bunda, se você estiver envolvido com droga!
— O quê?! De onde o senhor tirou essa ideia? Sou feliz aqui; não preciso me entorpecer, painho.
— Isso não me convence. Vamos, diga! Você está fumando maconha, cheirando pó? Por que você tá agindo tão estranhamente, Betinho? — perguntou o pai, corando o rosto de raiva.
— Olha, pai... Vou te contar a verdade — murmurou Hebert, surpreso com sua coragem. — Eu... eu vi, sem querer, o senhor e mainha fazendo sexo!
— E o que você viu? — perguntou o pai, surpreso com sua coragem.
— Nada.

Neste momento, o pai corou de vez. Mas agora, de vergonha. Hebert disse que isso era besteira. Já tinha visto vídeos na internet e tudo! E, claro, prometeu ao pai que sua mãe nunca saberia do flagra. Ele singelamente abriu a mochila e deu de presente ao pai um Red Bull, ligeiramente gelado.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Blasfêmia?

Falemos então de Deus: a primazia na vida de muitos mortais. (Abrindo um parêntese, será que os Imortais da Academia Brasileira de Letras, pelo fato de se encontrarem imortais, têm alguma crença em forças superiores? Fica a questão.) Limbo: eis um lugar que deve estar cheio.

Em tempos modernos, os ateus estão saindo do guardarroupa (leia-se confessionário) e dando a cara à tapa. Mas respeito é bom e todo cristão gosta. Não vamos sair por aí esculhambando igreja tal, que tem casos de pedofilia e hipocrisia até o talo, ou tal igreja, que tem envolvimento com tráfico de drogas e desvio de verba dos fiéis.

Não, não. Meu dever aqui é esclarecer que o fiel em si não tem culpa nenhuma no desenrolar da trama. Pelo contrário. São os gaviões (não me refiro ao Corinthians) que agarram suas presas com suas unhas afiadas e as manipulam de forma ímpar. Também não vou discutir essa questão de lavagem cerebral cristã. Cada qual sabe bem o que faz da vida e em quem deve (ou precisa, ou teme) confiar.

Confiar. Verbo intransitivo. Ou seja, não precisa de complemento. Nada de o quês ou de quês. Somente ens (ou até mesmo comos, porquês e por aí vai). Confiar em si, em Deus, em deus, em deuses, na possibilidade, na sorte, no destino, nas estrelas. Somos nós quem escolhemos a quem — ou quê — vamos entregar nossa vida. Não cabe aos pais ou à sociedade impor algo que já está lá quando nascemos. Religião é sim subjetiva. E blasfêmia é ultrajar o ser humano. O nosso universo cognitivo e nossa fé na vida estão muito além dos portões do céu.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Considerações sobre o sono

O sono vem e as palavras deslizam com certa angústia. O descanso faz parte da rotina. E da rotina, a miríade de problemas ineptos, tolos, simples. Mas a repetição torna o dito prazeroso em acre. E o Acre em estado... Quer dizer, o sono vem e confunde. A imaginação pega carona com o primeiro caminhoneiro que passar! Vou dormir.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

O léxico do silêncio

Escrever nem é tão difícil. Qualquer um pode fazê-lo. Mas fazer o leitor ruminar... Esta sim é uma tarefa árdua. As palavras têm por obrigação ser melhores e mais oportunas que o silêncio. Quando o autor adeja para um lado e para o outro sem dizer palavra, uma mácula instala-se em seu âmago. Ele não atingiu sua meta. À revelia, creio que alcancei a minha, ruflando as asas e indo em direção do epílogo. Silêncio!

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Michael, o imortal


Eh, Michael Jackson... O Rei do Pop foi o assunto mais comentado nas rodas de amigos dos últimos tempos, quiçá dessa década. Ah, sim, houve o fato do World Trade Center, mas, em se tratando de show business, Michael é o number one.

Inclusive, Number Ones foi o nome do CD que escutei demasiado nesse carnaval; todos os dias. Parece até que eu sabia que algo ia acontecer. Lá estão os seus maiores sucessos, como Black or White, Thriller, Bad, Beat it, Smooth Criminal e tantos outros. Com sua morte, o alvoroço dos fãs e da mídia foi maior do que eu imaginei. Desde Elvis e os Beatles, ninguém mexia tão forte e claramente no âmago das pessoas.

Exatamente há uma semana, Michael foi acometido por fortes dores que o levaram ao infarto. Entrou no hall dos famosos que morreram tragicamente, juntamente com Jimi Hendrix, que se afogou no próprio vômito, Bon Scott, que teve falência múltipla dos órgãos (por beber 70 doses de vodca), e Kurt Cobain, que supostamente se matou; só para citar alguns.

O intrigante é poder notar que o gênio das sapatilhas pretas só veio a ocupar o set list dos muitos Winamps e Windows Media Players de todo o mundo depois de sua morte. Eram raros os que o ouviam ao léu. Mas, com sua morte, parece que todos resgataram o furor de décadas atrás. Vinis foram tirados das caixas; lágrimas, dos olhos.

Para a geração que não o conheceu a fundo (e só soube de seus escândalos financeiros e sexuais), fica a dica: ninguém irá substituí-lo. Nem Justin Timberlake, nem Lady Gaga, tampouco a tupiniquim Stefhany. Apesar de sua compulsão narcisista, tornando-se a versão contrária do personagem Dorian Gray — que era belo por fora e malvado e imoral por dentro —, Michael sempre será, em nossa miríade de lembranças, a eterna criança, cantando ABC, ou até o homem austero, fazendo seu excelso passo Moonwalk. Au revoir, Mr. Black and White!

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Clima junino


Intrigante é saber que muita gente só lembra que é nordestino quando esse período festivo chega. Ouvir forró não é o bastante, tampouco o essencial. O âmbito cultural dá mate à nossa fome de conhecimento, mas muitos preferem comer na McDonald's...

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Vaivém

Estou contando as luas e árvores pra te ver. Um poeta sem rumo nem prumo, encostado no umbral da carruagem moderna. Mas sei bem o caminho do seu coração – e o de volta. E não importam as pedras no meio da viagem; elas serão a trilha para o meu retorno – e minha volta.

E não é que o amor é passageiro?

sábado, 20 de junho de 2009

Vida, cândida vida

Cândido, de fato, era um homem cândido. Virgem de nascença, ele... Vamos pular essa parte, porque ele não era muito ligado a horóscopos. Ah, e antes que o leitor se pergunte, por conta da dubiedade proposital, ele perdera a virgindade com 20 anos. Vinte anos! Casou-se com a garota de sua primeira vez.

Modelo invejável de filho, amante e profissional, ele estava no cimo da vitalidade: trinta anos. E o que tinha feito até então? Pelos menos duas posições do Kama Sutra ou o “número 2” na casa de sua namorada adolescente? Nada disso. Sentia a Morte sussurrar ao pé de seu ouvido; paranoia dele... Era só o ventilador no três.

A ideia de finitude tirava seu sono. Não havia suco de maracujá que desse jeito. Ajoelhado ao pé da cama, como de hábito, conversou com Deus.

– Meu amigo, eu tou ficando velho! Vou morrer logo, logo – disse ele, desesperado.

– É, meu filho. Sei muito bem como é isso – respondeu, do além, um barítono.

“Sabe nada, rapaz! Você nunca morreu...”, pensou o intrigado mortal, mesmo estranhando aquela conversa. Só poderia estar sonhando.

– Ei, bonitão, eu posso te ouvir mesmo você pensando – disse Deus, irônico.

E mesmo antes de Cândido concluir o ato, Ele o advertiu:

– Não adianta fazer cara feia! Eu sei de tudo; todas as suas ânsias, desejos, medos, inclusive esse seu medo medonho de morrer.

– Já que o Senhorito se julga tão esperto, certamente já sabe o que vou lhe dizer daqui a 5 segundos, né? – desafiou ele.

– Sei, mas você não tem coragem de dizer – replicou Ele.

– Duvida? – redarguiu Cândido.

– Eu não preciso nem responder.

– Não preciso de você aqui. Boa noite, certo? Com licença...

E o Todo-poderoso respondeu rindo:

– Você só não pode me expulsar da sua vida... Nem da sua morte. Até já!

Cândido ficou um tanto preocupado com esse comentário e também com o calor sufocante que começara assim que Deus disse adeus. Na verdade, ele tinha dito “até já!”. Decerto, isso significava que ele morreria logo. Mas de uma coisa ele tinha certeza: Deus gostava de lhe deixar confuso.

A temperatura estava subindo vertiginosamente. Parecia que o chão estava se abrindo no meio. E estava. Quando Cândido tirou o travesseiro de cima do rosto e olhou pro lado, havia uma criatura avermelhada, piscando o olho pra ele.

– E aí, parceiro – disse ele, com uma voz metálica.

– Ah, era só o que me faltava... Primeiro, o Emanuel; agora, você! Vai-te embora, cheio de enxofre! Arrume o que fazer; vá beliscar azulejo, sei lá...

– Não grite, não! Ora... Então, eu vou terminar de ler a Bíblia – disse Lúcifer, sarcástico, pra variar.

É bem verdade que a noite tinha sido um tanto peculiar. Mas esta apenas acabava de começar. Cândido foi pego pelo que parecia um pesadelo daqueles que Freud fumaria, indignado, um charuto num sorvo só. Contudo, tudo era muito real. Ele supostamente estava no céu, quando um indivíduo vetusto já lhe dava as boas-vindas:

– Hello, my friend! Welcome home. I’m glad...

– Porra, eu sabia que esse velhinho era estrangeiro. Não tou entendendo é nada... — atrapalhou Cândido.

– Ah, você é brasileiro. Vou falar no seu idioma, então. É que eu uso o inglês, né? Porque quase todo mundo que chega aqui no céu sabe falar – disse o velho, cortesmente.

– Como assim “no céu”? – perguntou o recém-chegado Cândido, angustiado.

– Sim, você está no céu, meu caro. Onde todos os mortais desejam estar um dia. Há um terreno logo ali virando a Rua São Tarantino que está em seu nome. Você pode plantar alguns tomates ou até criar gado. Mas garanto que lá você não encontrará petróleo – respondeu ele, rindo.

– Meu Deus, como eu morri? Por favor, eu quero voltar pra minha garota, pra minha vida... – suplicou Cândido.

– Ah, meu filho, eu sinto muito, mas eu sou só o guardião das portas do céu. Não tenho esse poder... Só se você quiser retornar sob outra forma, mas não humana.

– Se não tiver outro jeito... Quais as opções que eu tenho?

– Lagartixa, barata e galinha.

– Lagartixa nem pensar; como a minha pele ia ficar? Barata também não. Li A Metamorfose do Kafka e não deve ser uma experiência muito interessante... O que me resta é ser uma galinha. Pôr ovos não deve doer tanto assim, né?

– Então, amen.

E como num passe de mágica, lá estava Cândido no poleiro. Notou sua plumagem rubra fúlgida. Cândido estava linda. De repente, viu se aproximar um galo pomposo; este provavelmente deveria ser o reprodutor.

– Olá, milady. Você é nova por aqui, não? Bem-vinda! É... Por acaso, você prefere ficar na ala das reprodutoras ou das chocadeiras? – perguntou o galo, ansiando a primeira opção.

– Prefiro ficar chocando; deve doer menos.

– Pois venha comigo. Vou lhe mostrar nosso complexo. É logo depois desses pintinhos brincando... Pronto! Pode entrar.

– Eu tenho uma dúvida: não sei como fazer isso – disse Cândido, envergonhado.

– Ah, querida. É só fazer força. É puro instinto. Qualquer coisa, pergunte às suas amigas poedeiras aí do lado.

– Muito obriga... da!

As tentativas começaram logo após a saída do galo. Cândido fez força e... Puxa! Como era fácil. Nem doera. Saiu um ovo fresquinho. E ele se sentiu bem com aquilo! Finalmente, fez força de novo. Ploft! Saiu outro... Ele estava gostando dessa vida fácil. Quando de repente ele ouve uma voz chamando-o com alvoroço.

– Cândido, Cândido!

Ele olhava para os lados e as aves continuavam inertes. Não sabia de onde vinha aquela voz tenra e ao mesmo tempo raivosa.

– Cândido! Cândido, Cândido!!!

Ele abriu os olhos assustado. Tudo não passara de um sonho. Sua mulher reverberava:

– Porra, Cândido! Cagar na cama é fogo!

É, Deus escreve certo por linhas tortas – ou por camas sujas.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Meu Deus do céu

— Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo... — disse o padre.
— ... Amém!!! — reverberou o povo cristão.
— Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe! — finalizou ele a missa.
— Graças a Deus!

Nesse meio tempo, Marcus não mais estava ali. Viajava mergulhado em seus devaneios. Tinha a razão e a certeza de uma coisa: não era mais católico. Poderia soar estranho para as gerações passadas, mas ele sabia que vivia a pós-modernidade e que a subjetividade era quem imperava em nossa sociedade.

Talvez tornar-se ateu tenha virado moda. Contudo, a questão não era essa. Ele acreditava em algo; não sabia em que ou quem, mas acreditava, ora. Esse é o fardo que todo ser humano racional leva consigo: o fardo de não ter certeza de nada, exceto na morte. Esta sim é uma verdade inexorável.

Dona Marta, mãe do jovem, era católica apostólica romana; fervorosa e austera, em se tratando de religião. Não tinha papo, quando o assunto era Jesus e companhia. Ser humano movido por um turbilhão de emoções e fé, ela não conseguia aceitar a possibilidade de seu filho vir a não ser católico.

Marcus não era católico por n porquês que não vou citar, até porque isso é apenas uma crônica. Tá bom, tá bom... Ele acreditava no buraco negro, na gravidade, na teoria de Darwin e da relatividade e no big bang. Claro que tudo isso teve um introito; um início. E Isso era Deus. O deus dele. O deus que ele podia escrever com inicial minúscula. E sem medo algum. Seu deus não era melhor que o das outras religiões, pois este era um só e onipotente; uma força maior — isso que ele era para Marcus.

Ah, foram muitas as vezes que tentou conversar com sua mãe. Ah, mas a velha senhora era rija como pedra. Para ele, a Igreja era falaz. Já para ela, santa e inquestionável. Numa tarde chuvosa, aberta a pensamentos sérios, Marcus investiu:

— Mãe, me decidi: não sou mais católico, nem vou à missa e não me iludo mais à toa...
— Meu filho, não se iluda: você não vai se encontrar mais com sua namorada, nem sairá mais com seus amigos, tampouco receberá dinheiro meu, se assim o fizer! — retrucou a mãe, como se a opinião do filho fosse algo à-toa.

Marcus, ao som de um muxoxo seu, calou-se em sua impotência, diante da deusa do lar. Sua mãe comprou sua fé. E pode pagar à vista com Master Card.