quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O boi talvez da cara preta

— Eu gosto não do Carnaval. Muita zuada e música que não entendo.
— Ah, eu adoro. Gosto de folia!
— Eu gosto é do Boi-bumbá...
— Grandes coisas. Bom mesmo é o Bumba-meu-boi.
— Não. Boi-bumbá! — gritou Diego.
— Que nada. Bumba-meu-boi e ponto.
— Ponto continuativo.
— Não, não. Você só tem 10 anos. Não tem opinião.
— Oxe, Paulinho. Todo mundo tem uma opinião. Pergunte à mainha pra você ver...
— Na verdade, vamos perguntar a seu pai, qual dos dois é melhor. Nele você acredita, né? Ele vai dizer Bumba-meu-boi — disse ele, que tinha três anos a mais que seu primo teimoso.
— É muito! Ele vai dizer que é o Boi-bumbá. Bora apostar?
— O quê?
— O que você quiser.
— Certo. Quero emprestado aquele seu chapéu enfeitado com fitas coloridas e pequenos espelhos do Guerreiro pra eu brincar de astronauta. Você poderia ser Houston!
— O astronauta aí eu sei, mas esse tal “Riuston” eu não sei quem é não. Ele mora na lua, é?
— Oh, menino, você nunca assistiu ao filme Apollo 13? Ah, você é muito pequeno mesmo... Houston é um centro de controle de missões, onde fica a NASA, uma espécie de agência espacial. Decorei isso do filme... — disse Paulinho, rindo.
— Não entendi nada! Vamos logo falar com o painho — declarou ele. — Boi-bumbá, veja só...
— Que moleque chato! Oh, tio! Tio, tio. Qual o melhor: Bumba-meu-boi ou boi-bumbá?
— Os dois são a mesma coisa! É uma dança que representa a morte e a ressurreição de um boi — riu o pai de Diego. Os dois se entreolharam e também riram demasiado.
— Como você é burro, Diego.
— Só tenho 10 anos. Mas você... metido a esperto, só conversa história pra boi-bumbá dormir. Ou bumba-meu-boi, tanto faz — disse ele. Paulinho parou de rir. Mas Diego foi ao quarto pegar o chapéu de Guerreiro para os dois brincarem a tarde toda de astronauta. E já foi logo dizendo: “Eu não vou ser o 'Riuston'. Prefiro ser um marciano”. Paulinho concordou.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

A famosa ida ao banheiro II

Jorge era um alcoólatra de carteirinha. Tinha conta no bar da esquina, conhecia a todos e era um mestre na arte de encaçapar bolas. “Ninguém bate o homem na sinuca, gente!”, gritava seu parceiro de sempre, Alexis (escrito assim mesmo). E todo dia era o mesmo esquema: trabalho, barzinho, casa, barzinho, sinuca, casa.


Ele morava com a mãe (uma senhora já com certa idade que adorava o Jogo do Bicho), e não era casado. Contudo, tinha um affair com a irmã de Alexis, que era um caso sério. Ele só a procurava quando queria e ela, admirada com seu jeito boêmio, cedia todas as vezes. Mal tirava a roupa e já ia cedendo — e isso não afetava na amizade dos dois velhos amigos.


Pois bem, este era o cenário: Jorge e Alex estavam acabando de voltar pra mesa de mais uma partida de sinuca bem sucedida, enquanto Kerolaine e Dora — a tal irmã de Alexis — conversavam sobre futilidade feminina. “Você viu os novos participantes do Big Brother, mulher?!”, dizia a última. Sobre a mesa, três cervejas; sob a mesa, mais três cervejas. A dupla que perdesse o jogo, haveria de pagar a conta até então da mesa dos ganhadores.


— Muito bom ganhar. Oh, sensação boa! — deliciou-se Jorge.

— Nem me diga. A bola preta parecia que não ia entrar nunca! E cadê os cara pra pagar a conta? Pede aí um tira, enquanto isso... Vai, antes que eles vejam! — disse Alexis.

— Você quer o que Dorinha? O de sempre, né?! Oh, Marcelão, vem cá. Um filé com fritas aqui, por favor... Valeu, chefia!


Os perdedores pagaram a conta. Conversa vai, conversa vem. Álcool entra... álcool tem que sair. Jorge, decidido e com a bexiga cheia, encaminhou-se ao banheiro em grandes passadas. Lá, põe a mão direita na parede, olha pra cima, fecha os olhos e nem faz força: Shuuuuuuá! Desce tudo, juntamente com um frêmito que parece mais uma agulhada na ossatura, de cima a baixo.


Extasiado de prazer, ele põe os olhos num maço de cédulas, bem do lado da lixeira. Jorge não acredita, pega e, mesmo estando melado de urina alheia, deixa pra contar em casa, guardando o dinheiro no bolso direito. Volta pra mesa às pressas, deixa sua parte da conta e diz: “Dorinha, já vou, meu amor. Até amanhã”, dando-lhe uma bitoca na boca. Mas Alexis insistiu:


— Fica pra saideira, Jorginho!

— Nada. Amanhã à noite a gente toma mais. Tô cansado. Abraço! E tchau, Kerolaine — disse ele, com certa pusilanimidade na voz.


E foi. Entrou em casa às pressas em direção do banheiro. Chegou lá e já foi mexendo na calça. A braguilha tava meio que presa. “Vai, vai!”, pensou ele. Urinou um pouco na calça e, por fim, conseguiu abrir e fazer xixi com o deleite habitual dessas horas. Terminado, pegou as notas em seu bolso pra contar.


“Tudo melado de mijo!”, pensou ele, rindo. Havia logo uma onça de primeira. “Eh, sorte! Essa morreu afogaaaaaaaaada na mijadeira”, ironizou, falando meio enrolado. A sequência de cédulas era de maioria de 2 reais. “Porra! Tartaruga marinha sabe nadar!”, gritou ele sozinho no banheiro, rindo com raiva da má sorte.


Sua mãe ouviu vozes e foi ao banheiro: “Meu filho, tudo bem aí dentro?”. Ele, terminando de contar os 76 reais apurados, inferiu: “Tudo, mamãe! Tô tomando banho e cantando”. A velha senhora foi dormir, tranquila. O marmanjo saiu de fininho e foi até a geladeira. Pegou um varalzinho e fez uma engenharia, pensando empolgado: “Vou tomar uma pesada amanhã depois do trabalho que nem venho pra casa almoçar”.


Pendurou todas as notas, lavadinhas, atrás da geladeira pra secar mais rapidamente. No outro dia, assim que acordou, foi à geladeira como uma leoa vai em direção de sua vítima. Puxou a geladeira e nada. “Mas quem terá sido?”, pensou ele. “Mamãe!”. Foi até o quintal, onde dona Lourdes varria serenamente o chão e perguntou, desesperado:


— Mamãe, onde estão as notas que tavam atrás da geladeira? Sabe dizer?

— Eram suas?!

— Não... — disse ele, fazendo uma careta de “Claro, né, sua velha?”.

— Ah, meu filho, me desculpe. Mas eu peguei tudo e joguei no Macaco. Sou viciada no Jogo do Bicho, você sabe...

— Não acredito, não, nisso, mamãe! Era o dinheiro de beber hoje — murmurou ele, em devaneio.

— Pois foi, meu filho. Logo cedo eu fui e joguei tudo nele.

— Porra, mãe! Jogava no 19! Era pra ter jogado no Pavão... — gritou ele, virando as costas e gesticulando.

— Não diga palavrão, menino!

domingo, 10 de janeiro de 2010

A famosa ida ao banheiro

Bem, todo mundo sabe que chega uma hora que não dá pra aguentar mais. Axé music e “swingueira” 24 horas por dia e, o pior, todos os dias de carnaval, não dá. Não dá, não dá de jeito nenhum. Se fosse no tempo do Netinho, Ricardo Chaves, Banda Eva, mas... Ivete Sangalo, Psirico e Parangolé, é, se me permitem, foda!


— Tira essa merda! Já tô puto aqui, sem brincadeira.

— Cala a boca. Carnaval é carnaval!


Sim, carnaval é carnaval. Folia e cerveja até a ressaca. Mas as músicas são as mesmas de 20 anos atrás. Pelo menos a temática — e a “levada louca”. Minto, as músicas de hoje pecam ao não ter o ingrediente principal numa música: criatividade. Porém, o que se pode fazer, se você é o único com bom senso na mesa? Tirar a água do joelho.


— Vou mijar. É o melhor que faço — inferiu Cláudio, ao ver que a discussão pseudo-musical iria longe. — E cadê a batatinha que num chega?!

— Vá, vá. “Quebre, quebre, quebre, quebre, quebre... Haaaaaaaaai!” — cantou Juninho.


Cláudio foi. Juninho, Marquinhos e Deninho se entreolharam e riram. O primeiro foi dar cobertura, levantando-se e indo vigiar a porta do banheiro. De lá, dava pra ouvir a cachoeira. Ele mimicou: “Vai, vai!”. E Marquinhos rapidamente pegou duas barras de sabão amarelas e começou a fatiar, enquanto Deninho entrou na cozinha e pegou um prato, um papel-toalha e queijo ralado Pampulha.


O xixi demora, de fato, quando se está alcoolizado. A bebida alcoólica tem um ingrediente que engana nosso cérebro, fazendo com que ele pense que é água o que estamos ingerindo: a molécula de etanol (na verdade, muitas). Daí, a grande quantidade de urina. Daí, a aceleração disrítmica do coração, por assim dizer.


A batata frita maquiavélica está na mesa e a primeira coisa que Cláudio faz é encher o copo. Nota o tira-gosto virgem sobre a mesa e os amigos conversando sobre mulheres fáceis do carnaval afora. Os três estão ligeiramente ébrios, mas conscientes e “sabendo atuar”, esperando pelo clímax.


Cláudio, amante de batatinha frita que só ele, em sua inocência, pega logo três com o palito, põe na boca sem cerimônia e diz: “Puta que pariu! Falta sal”. E os três amigos, ao verem a espuma descendo pelas beiradas da boca do amigo, choram de rir — lágrimas têm sal, afinal.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Providenciando

— Minha namorada tá me traindo. Eu sinto...
— Deixa de paranoia! Ela te ama. Eu sei...
— Grandes merdas! Ela tá muito estranha. Tenho que tomar uma providência.
— É, vamos prum bar e tomamos uma Providência — disse Gabriel, decidido.
— Quê? — perguntou o outro, sem entender. — Sério mesmo. Tenho que tomar uma providência ainda hoje. Vou na casa dela à noite.
— Tô dizendo: se você tomar uma Providência comigo, vai ficar mais tranquilo.
— Que com você! É com ela que eu tenho que tomar a tal providência! Fique fora disso! — reverberou Toinho, descarregando sua raiva e agonia no amigo.
— Ora, você vem desabafar e agora me descarta? Vou tomar a Providência sozinho!
— Como? Que providência?
— A Providência!
— A providência?!
— Pro-vi-dên-cia — silabou Gabriel, p (ou P) da vida. — A cachaça Providência! Não se faça de besta...
— Ué, não sabia que era disso que tu tava falando... Sério, não faça essa cara! Vamos providenciar uma Providência.
— E tua namorada?
— Ela gosta de Tequila — concluiu Toinho.

Traído pelas reticências

Trair ou não trair: eis a grande questão. Palavra! Há pessoas que não conseguem resistir a um belo rabo de saia, como diriam nossos avós, ou a um apinhado de músculos. O homem, na média, trai, mas trai muito e sem se perguntar por que. Mas a mulher não fica muito pra trás — porque se a mulher ficar atrás, a traição carnal não se consumará. Entendeu? Entendeu?!


E ambos os sexos sentem vontade de trair. Mas culturalmente, nós, ocidentais, fomos ensinados que a monogamia é o caminho a se seguir. Afinal é pecado querer a mulher do próximo. Mas e se eu quiser a mulher do que tá mais longe? Será pecado também? Para todos os efeitos, foi Deus quem disse e ponto. Então as culturas que adotaram a poligamia estão erradas? Decerto, não.


A natureza humana ao longo dos séculos foi reprimida. E o homem é um animal. Por conseguinte, seus instintos são mais fortes que seu poder de “se segurar”. Pois é, não me olhe com essa cara de que não é contigo: você não é nenhum santinho! Todo mundo já sentiu desejo, tesão por outra pessoa que não seu par. Perfeitamente normal — e necessário.


Há inclusive estudos que defendem a infidelidade do homem. A psicóloga francesa Maryse Vaillant diz que isso é uma experiência libertadora e essencial para o funcionamento psíquico dos homens e por isso não deixam de amar suas mulheres. Se alguma feminista vir isso...


“Mas, quem ama, não trai”, já disse algum inocente. “O amor pode tudo”, arrota outro. É, poder, pode; só não sei se consegue. E se não me engano ou foi Nietzsche, ou Fernando Pessoa, ou o John Cusack num desses filmes românticos do Inter Cine — ou os três — que disse que a gente não ama nosso parceiro e sim a ideia que se faz dele.


De fato, nós personificamos, criamos o ideal, endeusamos outra pessoa que tem, sim, defeitos (talvez piores que os nossos). Então amamos o que desejamos, o que o nosso amor seria... mas não é. E aí vem a decepção. Por isso muitos casais hoje não duram mais de dois meses — eu sei muito bem o que é isso.


Então filosofe comigo: se você, leitor, trai alguém, está traindo na verdade a si mesmo. Por quê? Como ainda pergunta?! Se você idealiza a outra pessoa, é a ti quem trais. Culpa, ela não tem. Só você, você e você. E não culpe a bebida... Se aguente.


— Eu sou forte. Não adianta me tentar!

— Isso é o que vamos ver — disse Angélica, tateando onde não devia.

— Pare, Angélica! De anjo, você só tem esse nome derivado... e olhe lá!

— Deixe de ser besta, Virgínia não vai nem perceber (se você não contar).

— Não quero, entendeu? Não quero. Sou fiel. E serei até o fim. Amo minha namorada!

— E...

— “E” o quê?!

— E daí? Você pode muito bem amar sua namorada e ter algo mais, digamos, carnal aqui comigo. Seu amor vai continuar o mesmo, talvez maior, pela sua namorada — disse ela, fazendo um esgar de asco.

—Não quero saber! Sou monogâmico assumido. Fazer o quê? E você nem é atraente. Você... não vai me fazer... mudar de ideia... — murmurou Armandinho, boquiaberto, olhando para os seios à mostra de Angélica.

— Que foi? Perdeu o fôlego? — provocou Angélica, esfregando o bico do seio esquerdo no nariz do rapaz, que estava sentado na cama. — Pode pegar se quiser... Tenho que lhe ensinar?!

— Não, pode deixar... É que... Você é... Minha namo... — E começou a acariciar num movimento esquisito meio anti-horário/horário/fora de hora/atrasado. Pela cara de Angélica, dava pra notar que ela estava achando aquilo esquisito. Por fim, ele, hipnotizado, disse: “Você tem cada teta!”.


Ela não aguentou aquele insulto e se retirou sem dizer palavra. Já na porta, quase se esquecendo, levanta o tomara-que-caia vermelho, combinando com a cor de seu cabelo, e declarou: “Por isso que tu é fiel! Não sabe nem trair... Idiota!”. E saiu com um sorriso de desdém que dava até pena do acariciador inexperiente. “O que eu iria fazer?! Disse que não queria trair minha namorada...”, pensou ele, olhando pras mãos.


Alguns homens traem... outros, só um pouquinho.