quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Munique

Era lourinha, tipo ariana. (Não me refiro a horóscopos, até porque ela era libriana.) De fato, ela tinha ascendência alemã. Sua pele de seda e seus olhos azuis não negavam. Munique Müller, contudo, era uma brasileira nata. E orgulhosa por isso. “Vamos, Ronaldo! Vamos, Ronaldo”, soluçava ela nos jogos da seleção nas Copas passadas. E como todo brasileiro gostava de samba e, principalmente, de raves.

— Isso aqui é muito bom! — exclamou ela numa rave qualquer.
— Também acho! Esse lugar é demais! Olha só quanto homem bonito! — disse uma de suas amigas, empolgada.
— Me refiro à minha bebida...

Não que ela não se interessasse por homens; tivera recentemente uma desilusão amorosa daquelas de pegar o namorado com outra. Na cama! Mas só cobertos com os lençóis... Nada demais.

— Não é nada disso que você tá pensando, meu bem! — disse ele, a frase que condena.
— Não precisa se explicar. Eu vi, meu bem! — respondeu, sarcástica, fechando a porta.

Desde então, Munique estava só. Refletindo. Se perguntando: “O que há de errado com os homens?”. (Mal ela sabia que os homens faziam esse questionamento todos os dias: "O que há de errado com elas?") Naquela rave, algo auspicioso aconteceria.

— Oi, posso te pagar um drink?
— Oi, por que não? — disse ela, atônita.

Conversa vai, conversa vem: se beijaram. Diga-se de passagem, ao som de Poker face da Lady Gaga. Suas três amigas ficaram estarrecidas; imóveis. Pra facilitar a compreensão da cena, de boca aberta, entreolhando-se. Elas não conheciam esse lado arguto e audacioso de Munique. Daí a pouco:
— Meninas, quero apresentar a vocês Marília.

Todas disseram “ois” falsos e cuidadosos. Uma de suas amigas, Amanda, a pegou pelo braço, sutilmente, e foram para um cantinho.

— Você tá louca, Mu?! Você virou homo? Francamente...
— Quer entrar na fila? — brincou.
— Deus me livre e guarde! Eu gosto é de homem, minha filha! E eu pensava que você também gostava de “pirulito”...
— E eu gosto. Muito! — respondeu Munique, às risadas. — Ela é diferente. Tem um quê... um quê maiúsculo!
— O quê? Que quê? O que ela tem de tão especial? E os homens, Mu? E eles? Desistiu?
— Há tempos. Não quero papo com homem nunca mais. Nunca mais!

Depois daquele dia, Munique e Marília assumiram o namoro. Assim, rápido mesmo. Amor à primeira bebida. E os comentários deletérios corriam os becos da cidade. Mas a senhorita Müller não se importava, afinal, ela estava com o transexual mais doce, lindo e peitudo de sua cidade. E ninguém saberia desse pequeno detalhe.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Retarda...do

— Ei, velho, onde você tá?
— Tou viajando — disse Alberto ao celular.
— Merda!
— Por quê?!
— É que vou trazer uma boyzinha aqui pra casa, pô.
— Ué! Você queria que eu participasse da brincadeira? — disse Aberto, rindo.
— Nem pensar. Uma morena dessas não se divide. Não é pro seu bico — ironizou Bruno, rindo ainda mais.
— Quer dizer que você liga pra mim só pra me ridicularizar, é?
— De forma alguma, parceiro. É que eu tava precisando de dinheiro pra bancar a noite, entende? Ia lhe pedir emprestado.
— Entendo. Pra que ir pra motel? Esse perto da tua casa é 40 reais/duas horas. Sua cama é de graça. É só comprar um vinho geladinho e...
— É claro que vai ser na minha casa. Mas eu menti aqui pra ela: disse que tava com 5 cervejas de lata aqui. Precisava só do dinheiro pra camisinha!
— E quanto você tem aí?
— 10 reais cravados.
— Nenhuma moeda escondida nos bolsos?
— Já revirei meu carro e tudo. É nessas horas que a gente se arrepende de dar trocado praqueles meninos de rua que fingem vigiar o nosso carro... — lamentou Bruno.
— Então finja que bebeu uma cerveja indo pra casa dela. Daí, você compra só quatro brejas e compra da camisinha retardante!
— Como é, rapaz?
— É uma laranjinha da Eros, pô! Você ganha mais tempo na atividade... riu ele.
— Pode crer. Vou fazer isso mesmo! Valeu, velho.
[...]
— E como foi lá?
— Ah, comprei só uma cerveja mesmo. Ela tinha uma vodca lá. Fizemos umas 10 páginas do Kama Sutra! — riu Bruno, enquanto a cabeça explodia por conta da ressaca.
— Imagino como estão suas costas...
— O pior não é isso: não comprei camisinha!

Amsterdã

Sim, ela era realmente muito traquina; danada mesmo. Matava insetos só pra ver a agonia da morte. Roubava maçãs na feira. E sua mãe notava cada passo em falso seu. Seria mau agouro roubar justamente maçãs, a fruta do pecado original? Se fosse pelo menos pirata...

Contudo, a questão era a índole da garota que não condizia com o ambiente em que vivia. A paz pairava — dava pra sentir na pele sem se queimar. Num desses dias turbulentos de brincadeiras, a menina acabou por bater no moleque mais metido e mandão da rua. Sua mãe achou bonito, porque achava que o garoto merecia, de fato, uma sova. Foi por conta desse tipo de pensamento que a mãe perdeu a filha.

Viviana estava se tornado uma menina fútil. Qualquer marmanjo tinha relações sexuais com ela. (E ela só tinha 13 anos!) As peripécias eram as mesmas das garotas de sua idade. Mas as amigas ainda brincavam de boneca Suzy. Vivi, como era chamada por todos, um dia tirou sua mãe do sério ao chamar sua avó de “velha preconceituosa” com toda a cólera possível. Isso porque seu ficante era negro.

Guilhermina, a mãe, disse:
— Tomara que um turista branquelo desses leve você daqui! Você não para quieta. Sempre tá implicando!

Dois anos depois, Vivi estava na Holanda na crista da onda de sua vitalidade. Mandava cartões postais de Amsterdã pra mãe, mentindo sobre sua vida atual. Estava se prostituindo pra sobreviver, enganada por um turista que ela conheceu numa rave no Rio de Janeiro, chamado Jacob Van-alguma-coisa. Ela morreu de overdose de cocaína. Ao pó voltou, literalmente.

Faça-se a luz...

Em frente ao computador, dois amigos conversam tranquilamente e entram sem querer num desses conglomerados de notícias fúteis sobre famosos:
— Porra, como alguém consegue ficar com uma mulher dessas? (Por acaso, a tal mulher estava sem maquiagem.)
— Madonna é Madonna, né?
— Que nada. O cara acordar todo dia olhando pra isso deve ser, no mínimo, desagradável. E o bafo ao acordar? Nossa! E veja só: olha os braços dela! Mais forte que eu... Eu não iria nunca pra cama com uma mulher assim — disse ele, revoltado.
— Ah, mas no escurinho tudo se resolve — amainou o outro.
— Mas ela não faz no escuro, não, pô!
— E como você sabe disso?
— Ela não namora o Jesus Luz?!

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Não basta entender

Não basta ouvir o canto dos pássaros;
é preciso entender a letra.
Já o amor não precisa ser entendido,
tampouco citado ou ouvido
nem explicado nem mesmo sentido;
é pra ser vivido sem ser questionado.

De carne e osso

Não quero ser um mero imortal.
Quero ser um errante de carne e osso.
Quero errar mais e mais.
E ser o mais infantil e inocente que eu puder.

Quero a verdade e somente ela.
Não procuro pela verdade de todos.
Nem a venero ou a acho sagrada.
Quero encontrar a minha própria verdade.

O grande filósofo já dizia:
Torna-te quem tu és.
Mas como descobrir quem ou o que sou
Sem a minha verdade?

Sem querer ser um profeta impopular,
A verdade é que a morte chega pra todos.
Do rei ao mendigo.
É inexorável!

Medo. O desejo de nunca morrer...
Um desejo de mamar
No eterno seio intumescido
Do que chamamos de Deus.

A minha verdade é que depois de morto,
A minha recompensa é nunca mais morrer.

Você

Quero sombra e água fresca
Um belo mármore no meu epitáfio
Deixe de coisa!, pra que tanta peleja?
Sou imortal e este é meu fadário

Eu posso viver e nunca morrer
Sem fazer livros ou plantar
Sem fazer filhos ou amar
Doar meu amor, só se for a você

Você
Minha fonte da juventude
Ma mort avec élégance
Minha imortalidade amiúde
Meu último romance...

Você!

Idiossincrasias

A multidão solitária
Eu e você
O inverso do verso
O exceto do excesso

O senso comum
Todo o resto
A morte na sorte
O torpor torpe.

Fim dos tempos

Não, nós dois não somos um.
Somos dois... só nós dois.
Números primos
Irmãos de sangue
Amantes de corpo e alma lavada

Só de pensar que o amor eterno
Não dura no fim dos tempos
Me falta ar
Comprimido ou em gotas

O mundo vai acabar
Meu amor, por favor,
Fique aqui comigo.
Se nosso fogo se acabar,
deixo claro nessas linhas
tortas e doces,
é porque morreremos juntos,
não porque deixei de te amar

Mas não chore agora.
Esses ramalhetes de fogo
não são o apocalipse.
É o sol que já vem vindo
E é hora de dormimos
Amanhã será outro dia.
Ou a nostalgia de ontem e outrem.

Eu e você, você e eu
Somos o futuro certo
O medo imoral
O colar de pérolas vil
O amor no fim dos tempos

1ª pessoa do singular

Entre o mundo e eu, só signos.
Tudo é representação.
E a verdade é aquilo que quero ver.
A mentira, ilusão.

Voilà.

Balada do bêbado

Vejo um grand finale pra nós dois
Bebo um drink, deixo o resto pra depois
Vejo um rosto no fundo do copo
O meu xeque-mate é o ópio

Vejo meu autorretrato na mesa do bar
Bebo uma dose, cicuta ou cachaça
Vejo o início do resto da minha vida
Você! Minh'última ressaca

Essa é a última das saideiras
É o fim da linha pra mim
Se um dia eu vier a morrer sem ti,
Que seja só de rir.

Tempo

Leminski pensou:
Que podia um velho fazer
Nos idos de 1916
A não ser pegar pneumonia
Deixar tudo pros flhos
E virar fotografia?

Demos tempo ao tempo
A melhor idade hoje sabe o que fazer
Ah, o viagra e seu intento
A cadência do samba faz-se ver

O poeta falou:
Um relógio parado
Certamente é baldado.
Mas quem diria?
Ele marca a hora certa
Duas vezes ao dia

Ah, é... Tudo é relativo
A nostalgia dos amanhãs
O status quo atípico
E o agridoce das maçãs

Tète-a-tète
O tempo murmura em meus ouvidos
Como um alaúde
O presságio do meu ontem

A máquina do tempo
E seu alarido do futuro
Me lembram que o sol já vai nascer
E a morte logo vem.

Amor?

Pra que pensar demais, se os gregos já o fizeram?
Não há nada de errado com o amor.
O que falta a cada um que não sabe amar é comprometimento.
Essa é a máxima.

Como ir pro céu

Um rapaz abastado se aproxima de outro da classe C. Sem mais delongas, o primeiro começou:
— Meu caro, como você tá?
— Diga aí, Paulique! — exclamou o outro.
— Jorge, bicho... eu não gosto desse apelido. Meu nome é Paulo Henrique e ponto.
— Ponto continuativo! Depois que você arrancou Jennifer de mim, você perdeu toda a sua moral! — glosou ele.
— Que nada, meu irmão. Nossa amizade transcende esse nosso sentimento mútuo por ela — retorquiu Paulique.

Ou melhor, Paulo Henrique... Continuando o papo cabeça:
— Eu tava brincando, Paulique. Eu tava querendo me desfazer dela mesmo. Quero algo melhor; só não sei se consigo — divagou o jovem.
— Me sinto bem sabendo disso tudo. Mas Jennifer não é uma qualquer: vibra em cada toque, faz poesia sem dizer um “a”, soa como gente grande...
— Foi bom pra você?! — brincou Jorge.
— Claro. Tê-la comprado de você foi a melhor coisa que fiz esse ano!
— Pois é. Não há mais guitarras velhas como essas da Jennifer — explicou Jorge, bem jocoso.
— Quando eu comprar uma Ibanez, vou te devolver essa outra sem cobrar; e com prazer!
E assim, eles morreram solteiros e semi-surdos.

Elas só pensam naquilo

Elizabeth (ou Beth) inicia a conversa com seu namorado, Bento (ou Tinho), atropelando as locuções.

—Tinho, me desculpe. Desde já, me perdoe! Diga que sim... — disse Beth, com despeito.
— OK, mas não me deixe apreensivo — respondeu ele, meio confuso.
— Perdi o anel que você me deu, Tinho! Eu perdi. Perdi!!! Não valho nada mesmo... — choramingou ela.
— Oh, meu anjo. Como você é fofa. Não se preocupe como isso, não... Você dormiu bem? — desconversou Bento.

Elizabeth não pensou duas vezes e foi logo dizendo, toda pomposa:
— Ah, meu amor, sonhei contigo!
— Puxa, me conta...
— Bem, assim... lá, a gente... (fez o gesto de “sexo” com a mão direita) só que o sonho já começava com a gente na cama, conversando — disse Beth, atônita.
— Ah... — murmurou Bento, desalentado.
— E eu pedia pra que você não contasse a ninguém!
— Contasse o quê? Que você fumou depois de ter transado comigo? — brincou ele.
— Ei, como você sabe disso?! — perguntou Beth, surpresa.
— Eu simplesmente sei — disse ele, suspirando. E completou: — Eu queria ter sonhado com isso... mas comigo ia ser diferente! Ia ter o que faltou! — exclamou Bento, com um trejeito peculiar.
— Mas que safado você, Tinho! — replicou a pobre virgem. — Tenho muita vergonha e assim você só piora...

Bento era um rapaz sagaz. Tinha lido em algum canto que o sonho era a fresta do espírito. Talvez em Freud ou Machado de Assis; o desejo dela mostrou-se em seus sonhos mais íntimos e libidinosos. E ele acrescentou:
— Você estaria com o anel, ora — amainando assim a sua bela fera.

Idílio

A feição única
Cabelo fulvo
Amarelo-manga
Afeição única.

Virtuose

O virtuoso busca a tríade etérea: a felicidade, a verdade e o belo. O homem comum, o céu. E qual a garantia que este último tem de que há algo de fato na abóbada celeste? Talvez a certeza de que não há nada no aquém que o fascine...

O virtuoso apenas tem a certeza de que esta tal tríade é a reminiscência do inalcançável. Mas ele segue procurando e há de achá-la um dia...

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Namoro pós-moderno

É, não estava mais dando certo. As desculpas não mais serviam. As brigas tornavam-se constantes. É sabido que duas pessoas parecidas demais ou diferentes geralmente não levam um relacionamento adiante. Às vezes, o ego de algum dos dois fala mais alto, por vezes gritante.

O ego da garota era, de fato, gritante. Era do tipo mimada: queria, porque queria. E isso já era suficiente pra ela e ponto. Já ele era compassivo, paciente e fazia o que deixava os outros felizes. (Segundo ele, isso o ajudava a crescer internamente.) Vê-la feliz era a sua felicidade. Mas os tempos estavam mudados. A rotina acabou transformando enfadonha a relação do casal. Não existia mais fogo. Só o soltar de faíscas nas discussões.

— Para de fumar, Nívea, por favor.
— Não vou me viciar, amor. Não se preocupe!
— A questão não é somente essa. Eu não quero que você fume. Não me sinto à vontade com esse fato.
— Não posso fazer nada, Vitor...

E não podia mesmo. Era a vontade dela. Por mais que Vitor quisesse, nunca iria domá-la. Não “domá-la” no sentido literal; machista. Mas sim fazer valer sua opinião sobre as coisas. Em um romance, isso é fundamental. Claro que as brigas são um mal necessário. São saudáveis, na medida certa. Porém, tudo tem um limite e não há discussão de relação que tire a mácula de uma traição.

Vitor soube através de amigos que sua namorada havia ido para uma festa particular sem lhe avisar. Lá, ela bebera demasiadamente e teria supostamente participado de um beijo em um garoto mais velho e uma garota, ao mesmo tempo: um ménage a trois com gostinho de Montilla. Vitor não se abateu. Mostrava-se forte — pelo menos, por fora. No escuro, chorava escondido, ouvindo a música que embalou o romance dos dois.

Nívia , por sua vez, estava tranquila até sua amiga (a que ela beijara outrora) lhe contou que seu namorado já sabia de tudo. É, a casa caiu. Com garagem, quintal e tudo mais. Ela já desconfiava que seu namoro ruiria, por mais que Vitor fosse compreensivo. Ele simplesmente não merecia aquilo; e ela sabia disso!

Tudo se confirmou quando ela recebeu um SMS, solicitando sua presença na praça central da cidade. Dizia:

Qro falar com vc.
Preciso ti perguntar 1
coisa importante!!!!!
15hrs na praça, viu?!!!! Bjo


No caminho pra lá, ela ruborizava-se com seus devaneios. Tinha vergonha do que tinha feito. No momento, foi tudo muito bom. Imaginava as palavras que Vitor ia proferir. “Ele deve tá ‘p’ da vida!”, pensou ela. Ao chegar no destino, avistou seu futuro ex, cabisbaixo. Ele foi bem direto:

— Quem vai ficar com a senha do nosso Orkut duplo?!

sábado, 5 de setembro de 2009

Nada

Ah, tem poeira debaixo desse tapete. O filho estava agindo de modo diferente havia dias. Sua mãe, Carla, já notara isso em seu filho adolescente. Ela há pouco tempo tinha visto uma reportagem na TV (ela não lembrava o canal), onde psicólogos afirmavam que a mudança brusca de comportamento era sinal de que o indivíduo estava se drogando.

Claro que os psicólogos colocaram várias questões a seguir. Citaram casos e como identificar se seu filho está enquadrado nessas circunstâncias. Mas a mãe, agoniada, não pensou duas vezes e foi falar com o marido. Estes estão com o casamento um pouco desgastado, porque ele, que trabalha os três horários, não está dando conta do recado. (Se é que o leitor me entende...) Depois da primeira, ele tentava passar pra segunda, mas embreava errado e acabava dormindo, cheio de angústia.

— Naldo, teu filho tá muito estranho ultimamente.
— Você acha?
— Você não notou?! Impossível...
— Sinceramente não. Passo muito pouco tempo com ele por causa da rotina. Você sabe disso, né, amorzinho?
— É, desculpa. Mas acho que você deveria conversar com ele. Não tenho muito jeito com esses assuntos sérios — disse ela, cabisbaixa.
— Como assim?
— Eu acho que ele tá usando maconha. Ele tá muito esquisito de umas semanas pra cá. Converse direitinho com ele.
— Ah, vou tirar o vídeo game dele!

E Arnaldo foi atrás de seu filho no quarto no mesmo instante. Ao entrar, percebeu que seu filho, num ato fugaz, escondeu algo dentro da mochila. “Epa, epa, epa!”, pensou o pai. “Tem poeira debaixo desse tapete...”. O filho, sem reação, pediu para o pai se sentar e disse que tinha algo que vinha lhe intrigando. Precisava falar naquele exato momento.

— É... pai, eu queria falar com você.
— Veja bem, meu filho. Não vou passar a mão na sua cabeça. Ela vai direto na sua bunda, se você estiver envolvido com droga!
— O quê?! De onde o senhor tirou essa ideia? Sou feliz aqui; não preciso me entorpecer, painho.
— Isso não me convence. Vamos, diga! Você está fumando maconha, cheirando pó? Por que você tá agindo tão estranhamente, Betinho? — perguntou o pai, corando o rosto de raiva.
— Olha, pai... Vou te contar a verdade — murmurou Hebert, surpreso com sua coragem. — Eu... eu vi, sem querer, o senhor e mainha fazendo sexo!
— E o que você viu? — perguntou o pai, surpreso com sua coragem.
— Nada.

Neste momento, o pai corou de vez. Mas agora, de vergonha. Hebert disse que isso era besteira. Já tinha visto vídeos na internet e tudo! E, claro, prometeu ao pai que sua mãe nunca saberia do flagra. Ele singelamente abriu a mochila e deu de presente ao pai um Red Bull, ligeiramente gelado.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Blasfêmia?

Falemos então de Deus: a primazia na vida de muitos mortais. (Abrindo um parêntese, será que os Imortais da Academia Brasileira de Letras, pelo fato de se encontrarem imortais, têm alguma crença em forças superiores? Fica a questão.) Limbo: eis um lugar que deve estar cheio.

Em tempos modernos, os ateus estão saindo do guardarroupa (leia-se confessionário) e dando a cara à tapa. Mas respeito é bom e todo cristão gosta. Não vamos sair por aí esculhambando igreja tal, que tem casos de pedofilia e hipocrisia até o talo, ou tal igreja, que tem envolvimento com tráfico de drogas e desvio de verba dos fiéis.

Não, não. Meu dever aqui é esclarecer que o fiel em si não tem culpa nenhuma no desenrolar da trama. Pelo contrário. São os gaviões (não me refiro ao Corinthians) que agarram suas presas com suas unhas afiadas e as manipulam de forma ímpar. Também não vou discutir essa questão de lavagem cerebral cristã. Cada qual sabe bem o que faz da vida e em quem deve (ou precisa, ou teme) confiar.

Confiar. Verbo intransitivo. Ou seja, não precisa de complemento. Nada de o quês ou de quês. Somente ens (ou até mesmo comos, porquês e por aí vai). Confiar em si, em Deus, em deus, em deuses, na possibilidade, na sorte, no destino, nas estrelas. Somos nós quem escolhemos a quem — ou quê — vamos entregar nossa vida. Não cabe aos pais ou à sociedade impor algo que já está lá quando nascemos. Religião é sim subjetiva. E blasfêmia é ultrajar o ser humano. O nosso universo cognitivo e nossa fé na vida estão muito além dos portões do céu.