quarta-feira, 24 de junho de 2009

Clima junino


Intrigante é saber que muita gente só lembra que é nordestino quando esse período festivo chega. Ouvir forró não é o bastante, tampouco o essencial. O âmbito cultural dá mate à nossa fome de conhecimento, mas muitos preferem comer na McDonald's...

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Vaivém

Estou contando as luas e árvores pra te ver. Um poeta sem rumo nem prumo, encostado no umbral da carruagem moderna. Mas sei bem o caminho do seu coração – e o de volta. E não importam as pedras no meio da viagem; elas serão a trilha para o meu retorno – e minha volta.

E não é que o amor é passageiro?

sábado, 20 de junho de 2009

Vida, cândida vida

Cândido, de fato, era um homem cândido. Virgem de nascença, ele... Vamos pular essa parte, porque ele não era muito ligado a horóscopos. Ah, e antes que o leitor se pergunte, por conta da dubiedade proposital, ele perdera a virgindade com 20 anos. Vinte anos! Casou-se com a garota de sua primeira vez.

Modelo invejável de filho, amante e profissional, ele estava no cimo da vitalidade: trinta anos. E o que tinha feito até então? Pelos menos duas posições do Kama Sutra ou o “número 2” na casa de sua namorada adolescente? Nada disso. Sentia a Morte sussurrar ao pé de seu ouvido; paranoia dele... Era só o ventilador no três.

A ideia de finitude tirava seu sono. Não havia suco de maracujá que desse jeito. Ajoelhado ao pé da cama, como de hábito, conversou com Deus.

– Meu amigo, eu tou ficando velho! Vou morrer logo, logo – disse ele, desesperado.

– É, meu filho. Sei muito bem como é isso – respondeu, do além, um barítono.

“Sabe nada, rapaz! Você nunca morreu...”, pensou o intrigado mortal, mesmo estranhando aquela conversa. Só poderia estar sonhando.

– Ei, bonitão, eu posso te ouvir mesmo você pensando – disse Deus, irônico.

E mesmo antes de Cândido concluir o ato, Ele o advertiu:

– Não adianta fazer cara feia! Eu sei de tudo; todas as suas ânsias, desejos, medos, inclusive esse seu medo medonho de morrer.

– Já que o Senhorito se julga tão esperto, certamente já sabe o que vou lhe dizer daqui a 5 segundos, né? – desafiou ele.

– Sei, mas você não tem coragem de dizer – replicou Ele.

– Duvida? – redarguiu Cândido.

– Eu não preciso nem responder.

– Não preciso de você aqui. Boa noite, certo? Com licença...

E o Todo-poderoso respondeu rindo:

– Você só não pode me expulsar da sua vida... Nem da sua morte. Até já!

Cândido ficou um tanto preocupado com esse comentário e também com o calor sufocante que começara assim que Deus disse adeus. Na verdade, ele tinha dito “até já!”. Decerto, isso significava que ele morreria logo. Mas de uma coisa ele tinha certeza: Deus gostava de lhe deixar confuso.

A temperatura estava subindo vertiginosamente. Parecia que o chão estava se abrindo no meio. E estava. Quando Cândido tirou o travesseiro de cima do rosto e olhou pro lado, havia uma criatura avermelhada, piscando o olho pra ele.

– E aí, parceiro – disse ele, com uma voz metálica.

– Ah, era só o que me faltava... Primeiro, o Emanuel; agora, você! Vai-te embora, cheio de enxofre! Arrume o que fazer; vá beliscar azulejo, sei lá...

– Não grite, não! Ora... Então, eu vou terminar de ler a Bíblia – disse Lúcifer, sarcástico, pra variar.

É bem verdade que a noite tinha sido um tanto peculiar. Mas esta apenas acabava de começar. Cândido foi pego pelo que parecia um pesadelo daqueles que Freud fumaria, indignado, um charuto num sorvo só. Contudo, tudo era muito real. Ele supostamente estava no céu, quando um indivíduo vetusto já lhe dava as boas-vindas:

– Hello, my friend! Welcome home. I’m glad...

– Porra, eu sabia que esse velhinho era estrangeiro. Não tou entendendo é nada... — atrapalhou Cândido.

– Ah, você é brasileiro. Vou falar no seu idioma, então. É que eu uso o inglês, né? Porque quase todo mundo que chega aqui no céu sabe falar – disse o velho, cortesmente.

– Como assim “no céu”? – perguntou o recém-chegado Cândido, angustiado.

– Sim, você está no céu, meu caro. Onde todos os mortais desejam estar um dia. Há um terreno logo ali virando a Rua São Tarantino que está em seu nome. Você pode plantar alguns tomates ou até criar gado. Mas garanto que lá você não encontrará petróleo – respondeu ele, rindo.

– Meu Deus, como eu morri? Por favor, eu quero voltar pra minha garota, pra minha vida... – suplicou Cândido.

– Ah, meu filho, eu sinto muito, mas eu sou só o guardião das portas do céu. Não tenho esse poder... Só se você quiser retornar sob outra forma, mas não humana.

– Se não tiver outro jeito... Quais as opções que eu tenho?

– Lagartixa, barata e galinha.

– Lagartixa nem pensar; como a minha pele ia ficar? Barata também não. Li A Metamorfose do Kafka e não deve ser uma experiência muito interessante... O que me resta é ser uma galinha. Pôr ovos não deve doer tanto assim, né?

– Então, amen.

E como num passe de mágica, lá estava Cândido no poleiro. Notou sua plumagem rubra fúlgida. Cândido estava linda. De repente, viu se aproximar um galo pomposo; este provavelmente deveria ser o reprodutor.

– Olá, milady. Você é nova por aqui, não? Bem-vinda! É... Por acaso, você prefere ficar na ala das reprodutoras ou das chocadeiras? – perguntou o galo, ansiando a primeira opção.

– Prefiro ficar chocando; deve doer menos.

– Pois venha comigo. Vou lhe mostrar nosso complexo. É logo depois desses pintinhos brincando... Pronto! Pode entrar.

– Eu tenho uma dúvida: não sei como fazer isso – disse Cândido, envergonhado.

– Ah, querida. É só fazer força. É puro instinto. Qualquer coisa, pergunte às suas amigas poedeiras aí do lado.

– Muito obriga... da!

As tentativas começaram logo após a saída do galo. Cândido fez força e... Puxa! Como era fácil. Nem doera. Saiu um ovo fresquinho. E ele se sentiu bem com aquilo! Finalmente, fez força de novo. Ploft! Saiu outro... Ele estava gostando dessa vida fácil. Quando de repente ele ouve uma voz chamando-o com alvoroço.

– Cândido, Cândido!

Ele olhava para os lados e as aves continuavam inertes. Não sabia de onde vinha aquela voz tenra e ao mesmo tempo raivosa.

– Cândido! Cândido, Cândido!!!

Ele abriu os olhos assustado. Tudo não passara de um sonho. Sua mulher reverberava:

– Porra, Cândido! Cagar na cama é fogo!

É, Deus escreve certo por linhas tortas – ou por camas sujas.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Meu Deus do céu

— Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo... — disse o padre.
— ... Amém!!! — reverberou o povo cristão.
— Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe! — finalizou ele a missa.
— Graças a Deus!

Nesse meio tempo, Marcus não mais estava ali. Viajava mergulhado em seus devaneios. Tinha a razão e a certeza de uma coisa: não era mais católico. Poderia soar estranho para as gerações passadas, mas ele sabia que vivia a pós-modernidade e que a subjetividade era quem imperava em nossa sociedade.

Talvez tornar-se ateu tenha virado moda. Contudo, a questão não era essa. Ele acreditava em algo; não sabia em que ou quem, mas acreditava, ora. Esse é o fardo que todo ser humano racional leva consigo: o fardo de não ter certeza de nada, exceto na morte. Esta sim é uma verdade inexorável.

Dona Marta, mãe do jovem, era católica apostólica romana; fervorosa e austera, em se tratando de religião. Não tinha papo, quando o assunto era Jesus e companhia. Ser humano movido por um turbilhão de emoções e fé, ela não conseguia aceitar a possibilidade de seu filho vir a não ser católico.

Marcus não era católico por n porquês que não vou citar, até porque isso é apenas uma crônica. Tá bom, tá bom... Ele acreditava no buraco negro, na gravidade, na teoria de Darwin e da relatividade e no big bang. Claro que tudo isso teve um introito; um início. E Isso era Deus. O deus dele. O deus que ele podia escrever com inicial minúscula. E sem medo algum. Seu deus não era melhor que o das outras religiões, pois este era um só e onipotente; uma força maior — isso que ele era para Marcus.

Ah, foram muitas as vezes que tentou conversar com sua mãe. Ah, mas a velha senhora era rija como pedra. Para ele, a Igreja era falaz. Já para ela, santa e inquestionável. Numa tarde chuvosa, aberta a pensamentos sérios, Marcus investiu:

— Mãe, me decidi: não sou mais católico, nem vou à missa e não me iludo mais à toa...
— Meu filho, não se iluda: você não vai se encontrar mais com sua namorada, nem sairá mais com seus amigos, tampouco receberá dinheiro meu, se assim o fizer! — retrucou a mãe, como se a opinião do filho fosse algo à-toa.

Marcus, ao som de um muxoxo seu, calou-se em sua impotência, diante da deusa do lar. Sua mãe comprou sua fé. E pode pagar à vista com Master Card.