sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Refrescante

— Eu sou virgem. É sério!

— Tá bom. E eu sou de Libra.

— Deixe de ser besta — disse ela, às risadas. — Você sabe muito bem que eu tou me guardando pro homem certo.

— E quem é esse sortudo? — perguntou ele, comendo Amanda com os olhos e a boca.

— Não sei ainda. Tou procurando um que valha a pena.

— Tou me sentindo um nada aqui. O Janu aqui vale a pena, sim!

— Ué, mas... não era minha intenção. Não sinto nada por você...

— Não sente ainda! Quando eu estiver fazendo cócegas nos seus estômago e rins, você vai mudar de ideia.

— Ai, eu tenho medo!

— Que nada. Vamos lá pra casa. No caminho, eu compro camisinha de menta e uma vodca na conveniência.

— Vem cá... Por que de menta?

— Não sei. É sua primeira vez... quero que seja, literalmente, gostoso.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O chip

Zeca, como era chamado por todos, gostava de brincar de boneca. A Barbie era sua predileta. Adorava fazer cenas calientes entre o Max Steel e ela. Quando cresceu, não era de se duvidar: virou um pegador. Qualquer garota que ele quisesse, conseguia. Seus amigos ficavam estupefatos e de queixo beirando o chão.


— Quando eu nascer de novo, quero ser pelo menos um terço do que você é — declarou Pedro, trocando o chip do celular de Zeca. Ao realizar a tarefa, ele falava com Zeca e, sem querer, deixou cair o chip azulzinho.

— Que nada, meu irmão. Eu sou normal. Eu só não dou bola pra todas. É essa a graça!

— Então o truque é rejeitar as gurias?

— Rejeitar é uma palavra forte. Eu diria “não dar corda”, entende?


Pedro ficou encucado. “Não é tão simples assim”, pensou ele. Ele era mais romântico e não entendia muito dos trejeitos do amor. Havia sido corneado umas quatro vezes — até onde ele sabia. Não tinha lógica alguma em amar outra pessoa. “Ninguém consegue ser monogâmico mesmo”, consolou Zeca, quando Pedro soube de sua última desventura. O outro logo tirou Pedro de seus devaneios:


— Rapaz, tenho um monte de telefone de meninas aqui no meu celular... Epa, mas não é nesse chip. Pedro, cadê meu chip?

— Caralho, acho que derrubei por aí — disse ele com ar de pesar. — Mas não se preocupe! Eu te dou outro.

— Você não compreende, vei. Aquele chip era o que eu representava pra você. Eu tinha todos os meus contatos ali!

— Use o Orkut ou o MSN, ora. Me desculpe!


Não adiantava. Zeca ficou duas semanas sem brincar de tiroliro na chulapa. (Se é que o leitor me entende...) Ele tinha o contato das meninas por outros meios. Porém seu celular, ou melhor, seu chip era tudo. Não adiantava. Era um novo tipo de síndrome do pânico. Pedro já tava pensando em fazer psicoterapia com ele. A cada dia que se passava, os ataques de pânico eram esporádicos, cada vez mais intensos e recorrentes.


O motivo? Qualquer mulher que passasse na rua — olhe você que ironia infame —, que olhasse pra ele, que tocasse nele... Zeca simplesmente sentia o perigo iminente cada vez que cruzava o olhar em alguma filha de Eva. Dessa forma, ficou trancado dentro de casa, durante os próximos anos de sua vida. Não havia analista que desse jeito.


De oitiva, alguns arriscavam que ele morrera ao lado do chip novo que Pedro outrora teria lhe devolvido; outros diziam que voltou a brincar de boneca Barbie. (Mas dessa vez sem o Max Steel.) E envelheceu como um vinho que não conseguiu fermentar. Morreu solteiro. No funeral, Pedro chorava muito ao colocar o chip azul no peito sem ar do velho amigo ex-garanhão. Em redor, todas as mulheres que um dia foram dele.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Três vodcas

— Mas eu tava bêbado!
— Isso não é desculpa, Bento!
— Eu não tenho culpa...
— Claro que tem. Você bebe e usa isso como desculpa pra me trair!
— Mas eu lhe digo. Pior se eu nem falasse dos meus erros... Me desculpe!
— Agora todo mundo da nossa cidade já sabe. Vão falar na rua: “Lá vai a chifruda!” — lamentou ela, cabisbaixa, com um mar de lágrimas nos olhos.
— Mas... mas eu lhe disse.
— E daí? Você tá comigo! Devia ficar só comigo. Essa é a terceira vez que você faz isso. Não faça isso de novo, viu? Não vou aguentar... Eu me mato!

Bento viu que sua Clara falava sério. “O que fazer?”, pensou ele. “Vou parar de beber. É o jeito. Não quero que ela se mate por minha causa”. E ficou dois meses sob a tentação da loura gelada. Em cima da mesa de bar, piscando pra ele. Contudo, ele resistia com veemência. Seus amigos brincavam com ele:

— O que é isso, Bento? Vai ficar só no suco de acerola? — disse um dos quatro melhores amigos. Todos riram. E riram. Lá pela metade do segundo mês de jejum etílico, ele não aguentou mais. Não podemos julgá-lo, até porque a situação era bem peculiar. Ele tinha de beber.

— Clara, os caras vão fazer uma festa na casa do Tiaguinho. Vambora?
— Ah, bem. Já tinha prometido as meninas que eu ia pra praça botar o papo em dia...
— Então tá ok. Você quem sabe... — disse ele, aparentando estar indiferente. Ele sabia que não. Ao contrário do que se pensava dele, gostava de estar sempre com sua namorada, claro, por que não? A festa estava nos conformes: cerveja, erva, vodca (de R$ 4,00) e alguns refrigerantes de frutas (leia-se corantes).

O que interessava a Bento era só a Sprite. Só que ele resolveu misturar com um pouquinho de vodca. E mais um pouco. No potente micro system Sony MHC - GT444 400 w RMS de Tiaguinho — sem agá mesmo — começou uma música que Bento gostava: Here I go again do Whitesnake. Pronto. Dose dupla de vodca. Pura. Desceu rasgando a faringe dele. Logo ele costurou com meio copo de Sprite gelada. Pronto.

Bento se sentia bem melhor. Quase três meses sem sentir o álcool correndo em suas veias. Era uma sensação única. Foi nesta hora que ele percebeu: “Estou me tornando um alcoólatra!”. Seus amigos diziam pra ele ir com calma; ele revidava com mais doses viradas. E de novo e de novo.

Enfim, as garotas chegaram à festa. Começaram a se enturmar com os meninos até então desconhecidos. “Opa, eu sou a Carla. Prazer!”, disse ela. “Bento!”, murmurou ele, apertando a mão dela com força. Ela sentiu segurança nele desde que pôs os pés na casa. Mas Bento ia estragar tudo. Ele bebia como se a vodca fosse fugir dele. Um copo atrás do outro. Eis que então ele olha pro copo, meio atordoado, e propõe um jogo a Carla.

— Eu estou quaaaaase bêbado. Olhe, bem! Quero lhe propor um jogo: eu bebo e você bebe. Quando você não aguentar mais, nós vamos ali pro quarto... O que me diz?
— Você me respeite, seu sacana! Não sou dessas, não — disse ela, franzindo o cenho.
— Então, vá tomar no cu! — reverberou Bento, claramente sob o efeito da vodca.

Ela se levantou com rispidez. E ia em direção da porta para ir embora, quando ouviu uma voz melosa por trás: “Não vá! Me desculpe!”. Era Bento, tentando se redimir por sua grosseria. Abrindo a porta e sem se virar, Carla declarou com lágrimas nos olhos: “Você não consegue me magoar...”. E bateu a porta.

— Abra as pernas pra você ver se eu não lhe magoo! — gritou ele, com ar risível. Todos riram. E riram. Menos as outras garotas, que foram imediatamente atrás de Carla, consolá-la à toa. “Não ligue! Ele é um grosso!”, diziam. “Um filho da puta machista!”. A cólera estava em seus olhos. Dava pra ver de longe. Ela decidiu voltar lá.

— Eu já sabia quem era você! Já transei várias vezes com sua namorada, Clara. E agora sei por que ela fugia de você e procurava consolo em mim... Você é um perfeito idiota! Ela não te contou?! — disse ela, sarcástica. Sabia que ele dizia a Clara quando a traia.

Bento ficou paralisado, coadunando as peças em sua cabeça que ousavam se embaralhar cada vez que ele olhava para o rosto furioso de Carla. Ela saiu da sala. Ninguém disse uma palavra sequer. No dia seguinte, comprou um buquê de flores para Clara, pois sabia que ela amava. Foi a pé até sua casa. Uma caminhada de meia hora no sol.

Chegando lá, tocou na campainha. Deixou as rosas vermelhas no chão e foi embora. Clara ficou surpresa com o buquê solitário em sua porta. Havia um bilhete. Ele dizia claramente: “Vou morrer de cirrose! Guarde o bilhete pra ler depois. Nosso namoro? C’est fini! Mande um beijo e uma flor pra Carla. Att, Bento”.

Ela chorou demasiado, mas não ligou muito para a primeira frase do bilhete. Tentou ligar. Foi casa de Bento. Nada. Ele havia sumido. Os familiares também estavam preocupados. Duas semanas depois, um cão farejador encontra o corpo de Bento dentro de um túnel/cano de esgoto. O cheiro era insuportável — não do esgoto, mas de Bento, que jazia ali há pelo menos quatro dias. A seu lado, três garrafas de vodca; sem Sprite.