quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O banheiro

O banheiro é o lugar onde, com efeito, nos parecemos mais. Sentamos num trono de igualdade. No entanto, não estou em tal posição desfavorável. Ajoelhados também somos todos frágeis. A ânsia ou o próprio vômito nos diz: “Ei, bora parar?” – tamanha a nossa teimosia!


Levantei, enchi a mão com água da torneira e beberiquei. Depois bebi. Depois cuspi. Minha boca tinha aquele gosto, sei lá, agridoce. Gosto de cabo de guarda-chuva. Pronto, era isso! Lavei o rosto e me olhei no espelho meio que cinematograficamente, bem devagar.


– Nunca mais eu vou beber – eu disse.


Minha lânguida face escondia um riso tímido. Às vezes, eu acho que a gente nasce pra fazer o que é errado. Eu tenho refluxo. Refluxo gastrointestinal, para os leigos. Leite seria uma ótima pedida. Mas eu só gosto de algo com álcool. Cigarro não me apraz. Fico com o sabor da morte na boca. Minha namorada não merece beijar defunto.


No mais, eu de certo modo estava com o paladar um pouco... diferente. Tratei logo de escovar os dentes. Colgate. Gosto do gosto. Já comi algumas vezes, inclusive. Eu acho que eu tinha dormido e acordado bêbado e precisei de algo doce. Desejos de bêbado – sabe como é...


O engraçado disso tudo é que eu ainda estou me encarando no espelho. Eu pensei: “Espelho, espelho meu! Existe alguém mais bêbado do que eu?”. Depois de exatos cinco segundos, ouvi uma voz obscura pela acústica do banheiro de 3m²:


– Ei... – Eu me arrepiei todo e, meio atordoado, mandei o espelho se foder, pensando, na verdade, que era a minha mente me pregando uma peça. Mas não! De novo, só que dessa vez com autoridade e num tom bem mais agudo:


– Abre logo essa porra de porta que eu quero vomitar... – É, o espelho respondera; havia alguém com mais ressaca que eu. Era a minha namorada, Amanda. Cinco anos mais velha que eu. Era linda. Pra se ter uma ideia, quando fazíamos amor, eu a chupava toda; quando fazíamos sexo, eu começava chupando pelo pé da cama...


– Calma, minha ama Amanda... você me ama?


– Anda! Deixa de conversa que eu tô quase...


Vomitando. Vomitando em cima de mim, ao abrir a porta. Era sexta-feira. O fim de semana, pelo que parecia, tinha começado a mil. Porém, meu raciocínio estava a cinco km/h. Aquilo verde-amarelo-bege-com-pedaços-de-carne-de-frango havia me acordado de vez.


– Porra, Amanda! Você vomitou no meu pinto!


– Bem, acho que foi na sua barriga...


– Mas desceu.


– Desculpa – sugeriu ela, lavando a boca na pia.


– Agora limpe.


Ela veio limpar justamente com a boca com aquele gosto agridoce que eu bem conhecia. Mas não tinha como reclamar. Levantei-a. Dei um beijo daqueles. Ainda tive tempo de abrir o box e enfiá-la lá dentro. (Fizemos sexo ali mesmo, com o chuveiro ‘no quente’.)


De repente, recordei do espelho: “Espelho, espelho meu! Existe alguém mais feliz que eu?”. Sem brincadeira, em outros exatos cinco segundos, Gabriel, meu companheiro de apê, clama do outro lado da porta do banheiro, esmurrando-a:


– Abre aí que eu quero cagar!