domingo, 26 de fevereiro de 2012

Cerveja

Um arroto. Dois. Aquilo vem e volta. (Devo ter refluxo... Só pode.) Mas era vômito. Chega uma hora que não dá. O organismo não aguenta mais tanta bebida alcoólica. De todo modo, já que é assim, ele enfia o dedo na garganta e põe tudo para fora.

Cuscuz, com legumes, ovos e sardinha. Capuccino, com um toque de chocolate. Vodca. Vinho. Cachaça com mel. Gabriela. Não ‘Gabriela’, a bebida... Ele vomitou na Gabi.

- Como pôde?!

- Eu não... uheeeeeeéhfr!

- De novo. Errr, eca! Você deveria ter bebido cerveja. Toda vez que você toma essas outras acontece isso. E o pior: você mistura!

- Me leva pra casa.

- Não, você não pode chegar assim. Painho vai brigar com a gente. Deite aqui. Não, na calçada, não. Aqui no meu colo. Sua namorada não vai se importar... Sou sua irmã mais velha, lembra?

- Minha namora... da, ela, mas ela tá bêbada igual a mim, né?

- É, Julinho. É. Que duas peças eu fui arrumar...

Na ida para casa, Gabriela estava limpa. Lavou os pés vomitados por Júlio, de apenas 14 anos de idade. As crianças estão muito avançadas hoje. Soube que nos EUA elas já nascem falando inglês.

Bem, no banco de trás, iam os dois namorados embriagados. Dormindo.

- Ei, amor. Vamos parar num motel e deixar os dois no carro, dormindo.

- Não, você tá louco?!

- Mas eles não podem chegar assim na sua casa mesmo... – sugeriu o namorado da... – Vamo, Gabi! – Peraí, deixe-me apresentá-lo! O namorado da Gabi. O apressadinho Wagner, estudante de Direito, claro.

Agoniado num mix de excitação com vontade de foder, Zinho – um diminutivo para o apelido Wagnerzinho – pôs a mão na coxa da moça.

- Saaai, mininon! Que coisa. Quando bebe, parece que quer fazer em todo lugar... E outra: eu tô dirigindo. Não me atrapalhe mais.

- Ok, chefia.

Os meninos foram levados para casa. Literalmente, carregados para suas respectivas camas. Os pais tentaram dar bronca, mas ninguém ouvia. Estavam alcoolizados.

A namorada de Julinho, Ana Beatriz, de 13 anos, estava precisando ir ao hospital para tomar glicose. Ao invés disso, deram um suco para ela de açúcar com essência de morango. Então, acabou melhorando. Um pouco.

Zinho e Gabi voltaram para festa. Ficaram bêbados e vomitaram um no outro. Sem cuscuz ou morango pelo chão. E sem sexo pelas paredes. Somente o gosto de cabo de guarda-chuva na boca no dia seguinte.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Sangue fresco: o desabafo de um vampiro

Sangue fresco. Aprecio bastante o sangue dos homossexuais. O gemido deles ao sentirem meus caninos é bem mais excitante. E o líquido vermelho é muito mais doce. As histórias e boatos sobre vampiros são as mesmas; só mudam de lugar.

Sou diferente. Discreto como um psicopata ou um político brasileiro. Quando abocanho, é pra valer. Mas ninguém nota. E se o fizer, ‘dou notas’.

Sou bem-sucedido, é. Tenho uma rede de livrarias e já li de tudo sobre mim. Sobre vampiros e toda essa mitologia em torno de águas-bentas, alhos, estacas e Van Helsing – que é um filme muito bom, inclusive.

Os livros sugerem onde nasci. Os escritores mais arfantes, onde me criei, me formei, me revelei. Me submeti. Acabo de limpar a boca com minha camisa Polo branca. Ela está vermelha na borda da frente, porque me submeti ao meu destino. Sucumbi a ele. Sou da linhagem de Judas Iscariotes.

(Ao contrário do que foi ensinado a todo mundo, Judas não era um traidor. E não morreu. No Evangelho de Mateus, ele ‘trocou’ Jesus por 30 moedas e depois se enforcou. Conversa! Já no livro Atos dos Apóstolos – tudo isso no Novo Testamento, ok, pseudo-católicos? –, Judas, com o dinheiro ganho após entregar o filho do Homem para ir para a cruz, comprou um terreno e lá foi morar. Há quem diga que ele foi pelas bandas do Egito. E para provar que ele não se matou nem traiu ninguém, foi descoberto, em 1978, um rosário de papiros – 13 no total – que constam os ensinamentos do maior traidor da História injustiçado: “O Evangelho de Judas”, em uma caverna... no Egito. E para se ter um evangelho, era preciso ter... seguidores. Ele sabia dos planos de Jesus e o ajudou. Cristo então ressuscitou, mas de nada veio a adiantar. O mundo é uma beleza; o que estraga são essas pessoas que botam culpa no Diabo quando pecam.)

Bem, sou da linhagem de Judas. Estou dizendo... Chupo o sangue dos covardes e dos traidores – uma forma de ‘recompensar’ a má fama de meu antepassado judeu. Minha família era judia e fugiu para o Brasil à época da 2ª Guerra Mundial. Nos escondemos onde ninguém iria procurar um: no estado de Alagoas. A Terra dos Marechais.

Na verdade, eu ainda não tinha nascido. Minha mãe, Debra, me teve em Arapiraca, cidadezinha do interior. Hoje estou com 31 anos e pude ver o Brasil ser pentacampeão. Vou morreu aos 33, como Jesus – é a sina de todo vampiro da minha classe. (Nós nunca fomos imortais e não somos necessariamente da Transilvânia. Esqueça Bram Stoker e feche as janelas.) Mas a vida não é tão ruim. Eu não me alimento só de sangue. Então, brindemos com taças vermelhas!

Quem tenho em meus braços, é Amy, minha secretária que ninguém sabe que é travesti – por isso que disse que gostava de ‘sangue fresco’. Eu não julgo as pessoas. Só sei quem elas são. Isso se eu chupá-las bem. (Inclusive, eu adoro mulher na TPM!) Tenho o dom da iluminação pela genética, digamos.

Quando mordo alguém, tudo passa pela minha cabeça; todos os eventos daquela vítima, os vividos e os que ainda virão. Não, eu não as mato mais. Desde o ano de 2000 não o faço. O fator determinante sempre foi a quantidade de sangue sugado. As pessoas morrem porque perdem muito sangue – e não por causa da mordida em si. Escovo os meus dentes...

Minhas vítimas viram minhas testemunhas; acabam por se tornar minhas comparsas. Foi assim que me dei bem na vida. É assim que ainda funciona.

Amy acorda assustada. Eu rio. Na boca, dentes bem delineados com um toque avermelhado. Ela estranha. Põe a mão no pescoço – no lado esquerdo – e nada. Sente uma dor psicológica.

Eu, na prática, mordo o braço. (Que o melhor lugar pra ‘coletar’ sangue senão o pulso?!) Dessa forma, roubei tudo dela – tudo o que não pode ser tomado por nenhum assaltante-que-rouba-por-duas-pedrinhas-de-crack. Levo comigo todo o conhecimento de Amy; e seu segredo mais bem guardado na calcinha. Sei de todos os medos dela, desejos, fetiches, decepções, sonhos e toda a breguice por trás disso. Mas ninguém, de todas as pessoas que eu já mordi, tem medo de vampiros...

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Punhos de aço em ponta de faca

Preferia King Diamond a Stryper, se é que me entendem. Gostava de histórias de terror e não de contos de fadas. Já havia passado dessa fase de acreditar em tudo o que dissessem. Tirava agora suas próprias conclusões.

- Mãe, não quero mais ir à igreja...

Ele sabia onde isso ia terminar. Nada feito. Seus 12 anos não lhe davam moral alguma para argumentar o que fosse.

- Mas, pai, eu não gosto de jogar bola... Muito menos do Botafogo! Não quero essa camisa...

Ele sabia. Terminaria do jeito de sempre. Com ele, sozinho, trancado no quarto. Seu mundo era aquele, obscuro. Mas ele não era essencialmente mau.

Alguns psicólogos o examinaram por meio de desenhos. Primeiro, um castelo medieval, com direito a carrascos nas janelas. (Quem sabe, um dragão de três cabeças no calabouço...) Depois, uma borboleta. Negra. A transição da indefesa lagarta para o pomposo bicho voador.

E, por último, o inominável. Desenhou um demônio (Vixe, eu disse o nome!), talvez Beliel. Mas eram somente rabiscos.

- O que é isso?! – perguntou o psicólogo.
- É meu amigo imaginário. Ele dorme no meu armário. Na verdade, só quando eu arrumo minhas roupas direitinho. Ele gosta de espaço.
- Ele está aqui, agora?
- Do lado do senhor.

Matias engoliu seco. Começou a sentir uma leve brisa, como se da respiração da criatura. Era fria e não quente, como tinha imaginado antes. (Se os demônios vêm do inferno, que é quente, então até o bafo deveria na mesma temperatura, não?) Os olhos do psicólogo miraram a parede do seu lado esquerdo. Aquele ser deveria estar em sua forma invisível. Ou não. Essa era a mais natural de suas formas. Afinal, os “anjos da guarda” também não seriam invisíveis?!

“Que o meu me proteja!”, pensou Matias, imóvel.

Enquanto isso, o garoto ia colorindo com tons de vermelho e roxo. Os chifres estavam ganhando um acabamento especial.

- Doutor, e se eu te disser que tô só brincando...?

O psicólogo nada falou. Simplesmente se levantou e foi ao banheiro. Jogou água da pia no rosto. (Enganado por um merdinha desses...) Lavou as mãos e as enxugou. O nervosismo se esvaiu. Como a água pelo ralo. Quando deu meia volta, percebeu pela porta entreaberta que o desenho do garoto Bryan havia sido concluído. Pois, ao seu lado, estava Beliel. Em carne viva. (Estou delirando!) Uma carruagem de fogo, dois anjos, em vermelho.

- É esse o seu amigo?! – esforçou-se em falar, sem parecer tão assustado.
- Quem?! – perguntou o menino, olhando para os lados.

O mal confundia. O pesadelo não tinha hora pra acordar...

*

A jornada de trabalho era cansativa. Quase 12 horas por dia dirigindo um carro de uma empresa de comunicação. Ser motorista hoje em dia parecia algo fácil – ar condicionado, travas, vidros elétricos, mordomia. Não.

A vida era puro estresse. O trânsito não dava conta da paciência. Contrito, Bryan ia levando sua vida, sem perspectiva nenhuma. Muito menos de ir ao reino dos céus.

Seus 49 anos já pesavam em suas costas. Já havia esquecido toda aquela invenção de quando era pequeno. “Queria eu ter um demônio da guarda”, pensava ele. Mas o que seriam demônios, senão as vozes da razão perscrutando em nossa mente?

Mas e o que o corpo quer? Relaxar. O norte indica um bar qualquer na beira de uma rodovia estadual. Eram quase duas da madrugada e Bryan ainda estava com o carro do trabalho. Que se dane!

- Joel, me vê aí um filé com fritas... E, antes de mais nada, uma cerveja gelada.
Foi servido. Ia todo final de semana pra lá. Do nada, resolveu oferecer um pouco da sua batatinha pro rapaz da mesa ao lado, que estava sozinho.

- Oh, eu aceito. Com licença... Brigado.
Edinho era o apelido daquele que pegou o petisco. Um rapaz que geralmente frequentava aquele bar e usava uma droga ou outra de vez em quando. Mas a culpa não foi de nenhum entorpecente. Nem dele. Ele não era atrevido. Foi-lhe oferecido novamente e “brigadão! Hmmm, muito gostosa essa batata. Tô só esperando pelo meu caldinho de feijão”.

Nesse ínterim, Bryan, ainda sorridente, mas sem puxar conversa, se levantou e foi ao banheiro. Não era dos que fedem tanto. Era de um bar decente. A cozinha pelo menos o era. Isso era o que realmente importava. Nenhuma mosca ou rabo de rato na comida. É disso que eu tô falando...

Na volta, o motorista se depara com a cena: Edinho estava de pé, com um palito na mão. Ele tinha alcançado pelo menos umas três batatinhas – das grandes, porra! – e, na boca, mascava sem parar um pedaço suculento do filé que acompanhava as fritas. Ou seria o contrário.

- Ei, filhadaputa do caralho, que merda é essa?! Comendo do meu tira-gosto... Você pediu?!
- Mas eu pensei que eu...
- Pensou nada. Você tá achando que sou seu pai?
- Claro que não. Ele não seria um viado cheio de chiliques desses...
- Como é, rapazinho?!
- Além do mais, tu deve ser um corno contido. De aliança no dedo e bebendo nos cantos. Vai pra casa cuidar da tua mulher, filhadaputa do caralho!
- Ei, quem te chamou disso primeiro fui eu. Você pediu...

E foi pra cima dele. Parecia que Beliel estava a seu lado de novo, ele que é o rei da confusão, da desordem, da luxúria. (Não há nada que dê mais prazer que arrebentar um miserável desses!) É, Beliel estava com ele. Dentro dele. Os dois eram um só e o objetivo era claro.

Várias investidas foram dadas. Socos, pontapés, mesa com o resto do tira-gosto voando. O dono do bar interveio, quando notou que Edinho já havia levado três ou quatro cruzados de direita. No chão.

- Para com isso já, Bráia!
- Meu nome é... Bryaaaaaaaan!!! – disse ele, enquanto nas reticências cuidava de calar a boca do proprietário do estabelecimento com um murro daqueles.

Quando ele voltou para o páreo, Edinho tinha saído de onde estava. O dono do bar tinha lhe dado tempo. Era só correr, fugir pra longe da confusão. Talvez ele estivesse se arrependendo de ter chamando Bryan de viado e de corno. De filhadaputa do caralho, não.

Começou a correria pela rodovia, a AL-101 Norte, na região de Riacho Doce, em Maceió. Era dia 13 de fevereiro de 2014. Nada de sexta-feira. Isso seria mau agouro.

Era quinta-feira. Thursday. Ou ainda, dia de Thor. Quem ia lembrar dessa porra correndo? Não sei. Ele lembrou, não sei por quê. O que posso escrever mais, ora?

Edinho estava ofegante. Tava... quase sem... respirar direito. Mas a adrenalina o guiava. Atrás dele, de supetão, outra coisa o empurrava. Contundo, como que um trebouchet ao contrário – o impulso lhe levou pra baixo, de cara no asfalto já carcomido, precisando de ajustes aqui e ali.

Era Bryan no carro da empresa. Ele atropelou Edinho. Voltou. Passou de novo por cima do corpo, dando marcha à ré. E de novo, agora para frente. Pra frente como se estivesse passando por uma lombada física de ossos se quebrando.

A vítima não resistiu e morreu lá mesmo. Uma equipe médica viria, jornalistas tirariam fotos. Mas ninguém saberia da verdade.

Beliel saiu, cumprindo sua sina apocalíptica. E Bryan começou a chorar, com pé na embreagem. Ele gritava algo como “eu não sou corno! Não posso ser! Corno tem chifres...”.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Sem problemas

“Não há nada que um bom boquete não possa resolver”. Eu estava com essa frase na cabeça, apesar de não ser necessariamente um pervertido. Seria isso, um bom “serviço”, a solução de todos os nossos problemas?

Basicamente. As mulheres talvez não saibam o poder que tem em mãos. Ou na boca. Palavra! Os esforços voltados para o prazer e tudo o que não importa de verdade – naquele momento – se esvai em jatos brancos de prole indesejada.

E fim. Deitei na cama, depois de todas aquelas posições decoradas em filmes pornôs (É pra isso que eles servem, não?), olhando pro espelho em cima de nós.

- Vamos ter um desses, né? – ela sussurrou, enroscando o cabelo do meu peito.

- E uma banheira – eu disse. Sempre quis uma banheira. Tomar banho lendo é uma das minhas maiores curiosidades. Porque cagar, todo mundo caga. Cagar lendo, quero dizer.

Aí ligo pra recepção.

- Olá, senhor. Posso ajudá-lo em algo?

- Aqui é do quarto 32, como bem sabe. Você poderia ver quanto me custou, por favor? [...] R$ 45? Beleza. Vou pôr na caixinha.

O troco vem em duas notas de dois reais e um Halls do preto. Oh, ele é bom pra sexo oral... Gela tudo.

Mas é hora de ir. Levar a namorada em casa. (Porra, já são 3h45 da madrugada. Preciso acordar já, já pra trabalhar. Encarar aqueles moleques que não querem aprender merda nenhuma naquele colégio de freiras...) Ela, Antonieta, é argentina. Loira. Busto legal. Quadril normal. Pernas e derrière que eu vou lhe falar...

- Bem, enquanto você tá nessa avenida, vou lhe fazer um agrado. Mais um. Cadê você?! Kiniguiniguini! – brincou ela com meu pinto. Eu estava no meu Cross Fox e ela abrindo minha braguilha, de novo.

Começou a crescer a minha pulsação e aquele gosto de Halls só ajudava. Passei por um quebra-mola que nem percebi. Dois semáforos. O gozo veio, bem como um poste em minha direção.

Meu carro não era, digamos, completo. Tinha ar, trava e tal. Mas não tinha direção hidráulica, tampouco airbag. Talvez isso me salvasse da morte. Ou não.

Sem cinto de segurança, eu voei pelo parabrisa. Minhas calças ficaram no carro, junto com meus membros inferiores, acolchoando a cabeça morta de minha eterna namorada. Me senti leve, como se todos os problemas tivessem sido resolvidos de uma vez.