quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O celular

Amaury era um homem ciente de suas responsabilidades em casa: trabalhava pra sustentar a família e ainda sabia um pouco de eletrônica — quando algum aparelho quebrava, lá estava ele.

— Querida, não ligue mais o liquidificador no estabilizador do PC. Por isso que não pega! A voltagem é diferente. Os ampères são...
— Tá bom, tá bom! Já entendi — respondeu ela com ar de inútil.

Ele era um homem muito ocupado. Era corretor de imóveis. Ela, dona-de-casa-que-não-perde-um-dia-sequer-o-programa-da-Ana-Maria-Braga. Dona Marta era uma dona bem conservada, diga-se de passagem. Fazia de tudo pra agradar seu homem. Isso era fato, porque a barriga de Amaury aumentava como se ele bebesse todo final de semana. E ele bebia. Ou seja, não eram somente as receitas novas de dona Marta as responsáveis.

— Querida, vou à casa de um amigo acertar uns contratos. Volto... logo! — disse ele, beijando-a na testa, logo ali nas reticências.
— Tá bom! — respondeu ela, enxugando o liquidificador.

Dona Marta percebeu que faltava tomate pra salada. Foi até seu celular e ligou para o marido. “Ele nunca compra tomate suficiente. Vou mandar ele deixar fiado no mercadinho mesmo. Não posso sair do fogão”, pensou ela ao digitar em seu aparelho móvel que tinha até TV embutida — necessidade não havia, afinal, ela passava o dia todo em casa.

O marido logo voltou pra casa. Sem o celular, inclusive.
— Amaury, onde tá seu celular? Liguei, liguei, liguei e nada...
— Eu devo ter deixado aqui em casa. Vou procurar... — disse ele com um tom preocupado. Ele olhou nas gavetas da cômoda, nos bolsos dos paletós, debaixo das almofadas de espuma D28, revestidas de fibra de silicone e estrutura de madeira com percinta traçada do sofá marrom de revestimento chenille e... nada. Só uma moeda de 25 centavos. Da antiga.

Dava pra notar o desespero se formando em seu rosto. Não havia creme da Avon que maquiasse a sua cara de transtorno. Ele decidiu se abrir com a mulher:
— Martinha, juro que não levei o celular. Vou ver se deixei na casa do Alberto de qualquer forma. — E saiu de carro às pressas, mas não para a casa do tal Alberto, onde ele fingira que ter estado naquela manhã de sexta-feira. Aquele era o caminho para Ellen. Chegando à casa de sua amante, ele foi logo preciso.

— Meu bem, você por acaso viu meu celular? Acho que, tirando a roupa naquela agonia, ele acabou caindo pelo chão — declarou ele, abaixando-se para ver por debaixo da cama. — Você não atendeu ele, né?
— Claro que não, meu bebê. Você tem certeza que veio com celular pra cá?
— Claro que não. É só um palpite. Ora, pra onde mais eu levaria o bendito?!
— Vamos ligar pra ele então — disse Ellen, sempre prestativa. E como. — Ó, tá chamando... vê se você escuta a musiquinha!
— Não, meu amor. Eu deixei no modo silencioso. Disso eu me lembro.
— Vê se tá vibrando em alg... Oi, alô! Sim, é... (Pequena pausa para reflexão.) Tudo bom?! Aqui quem fala é... Joana Linhares. Queria saber se seu marido está disponível no momento... (Nessa hora, ela deu uma piscadinha sarcástica para Amaury.) Sei, então quando ele chegar, peça prele ligar presse mesmo número, ok? É a respeito do preço de uma... Isso mesmo! Então até mais, senhora... (E virando-se para ele:) Oh, voz chata essa da tua mulher, Amaury!
— Por isso que venho aqui todos os dias escutar sua voz, meu anjo! — E se despediu, dando um beijo de cinema em Ellen. Daqueles com direito à mão boba e tudo. “Porra, deixei em casa a porra do celular!”, pensou ele, bem tranquilamente no caminho de volta. Finalmente em casa, ele disse:
— Mas é claro! Como não procurei o celular do lado do estabilizador do computador? Por isso que vivo todos os dias da minha vida dependendo de você, meu... anjo! — reverberou ele, suando frio, e com aquele mesmo esquema do beijo na testa exatamente nas reticências.

Um comentário:

  1. Tô pra ver bicho mais burro que mulher e mais sacana do que homem!
    kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
    kkkkkkkkkkkkkkk

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